“Vós sois todos irmãos”

Atualizado em 25/06/19 às 10:404 minutos de leitura397 views
A partir do Tempo da Quaresma, anualmente, nos movemos para o gesto solidário da Campanha da Fraternidade, onde, pela esmola, oração e penitência, rompendo o nosso ‘eu’, tentamos trabalhar a consciência – nossa e dos irmãos – para uma ação conjunta em nome da Igreja em nosso País. Debruçando-nos, nesta feita, na discussão sobre a infeliz experiência que acomete tantos brasileiros - a violência - percebemos que deveremos responder-lhe em combate com os elementos do Evangelho, e, a partir das palavras e atitudes de Jesus, criarmos ambientes de harmonia, paz e fraternidade. É preciso lembrar que também nós somos sujeitos da paz, tal como a conhecida Oração de São Francisco nos inspira: “Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz!”. Assim, entendemos também que, mediante os altos números dos índices de violência, estes não devem ser relegados somente para uma tratativa de uma atividade policial ou da força da lei, é um serviço comum. Para “construir a fraternidade, promovendo uma cultura da paz, da reconciliação e da justiça, à luz da Palavra de Deus, como caminho de superação” (Objetivo Geral da CF2018), como almeja esta Campanha, não enxergamos como outro meio de superação à violência do que ter em primeira importância a grandeza da fé. É a partir do olhar misericordioso para os irmãos que padecem sob o jugo cruel da violência, que miramos o Cristo Sofredor; é a partir do olhar misericordioso do Cristo que perdoa, mas luta pela justiça, que encaramos os detratores da ordem pública e da paz. E dessa forma, Cristo-Palavra será a luz que inspirará as nossas ações de compaixão e a nossa justiça, que, partindo para a prática do cotidiano, não nos deixará inertes para a tão sonhada cultura de paz. Não podemos, como pessoas de fé, pensar que a violência não nos atinge, e, portanto, a sua resolução não nos diz respeito. O lema deste ano, extraído das instruções que Jesus dá aos seus discípulos, combatendo a dissimulação violenta dos mestres da Lei e dos escribas, que fingiam ser pessoas pacíficas, recorda-nos a nossa fraternidade: “Vós sois todos irmãos” (Mt 23,8). Filhos do mesmo Pai, que está nos céus, entendemos que as cruzes sociais também nos irmanam e nos fazem mais fortes para uma paradigmática reação aos mais diversos tipos de violência: “Digo-vos a vós que me ouvis: amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, abençoai os que vos maldizem e orai pelos que vos injuriam. Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra. E ao que te tirar a capa, não impeças de levar também a túnica. Dá a todo o que te pedir; e ao que tomar o que é teu, não lho reclames. O que quereis que os homens vos façam, fazei-o também a eles” (Lc 6,29). O que parece ser um absurdo para coibir a violência, aproxima-nos do querido por Jesus no Sermão das Bem-Aventuranças. A lição máxima dada pelo Mestre da Paz estará quando do processo e execução de Sua injusta pena, principalmente quando, pela força da oração ao Pai, em espírito de comunhão, diz, para o bem de seus assassinos: “Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Sim. Se queremos vencer a violência radicalmente, não existirá outra saída senão a de criarmos a saudável cultura da paz, tendo em vista que somente as ações pontuais não resolverão o problema, apenas tapearão o mal entranhado da violência. Por isso, não apostamos nas atitudes violentas de repressão pela força física como escapatória principal para a violência em si, porque cremos que a Igreja, as famílias, as escolas, enfim, o diálogo, muito poderão fazer para promover e estabelecer a mudança de um pensamento taliônico, que apregoa o “olho por olho, dente por dente”. “Oh, como é bom, como é agradável para irmãos unidos viverem juntos” (Sl 132,1). Se a fraternidade, como medida de superação da violência, for encarada como uma utopia, deixe que nos chamem de quiméricos; temos certeza que não o somos, porque a causa não o é. Sabemos que as dificuldades são muitas para um projeto grandioso: não é fácil lidar com consciências! Porém, este é um plano plausível porque é de Deus por primeiro. Também não significa dizer que os cristãos não devam se precaver das consequências da violência. Somos pacíficos e prudentes! Por não compactuarmos com as formas drásticas de combate à violência pela violência, não significa dizer que não haveremos de nos proteger, evitando, assim, entrar na lista dos vitimados, tomando parte dos nefastos índices de mortalidade violenta. Com isso, como pastor, não quero desanimá-los – longe de mim! – mas, alertá-los, sem nos esquecermos da esperança de dias melhores, onde Cristo, Príncipe da Paz, reinará no mundo para sempre, estabelecendo o Seu Reino de justiça e paz. Enquanto tal dia não chega, façamos a nossa parte na atividade da paz, superando o nosso egoísmo pessoal, as nossas pequenas indiferenças, e, com pequenas ações que visem a concórdia e a paciência para com irmãos, faremos – e muito! – para que Cristo seja tudo em todos (inclusive nos ambientes envenenados pelo ódio e pelo rancor), implorando: - Senhor, “venha a nós o Vosso Reino!”, tal como rezamos no Pai-Nosso. A valorosa intercessão da Rainha da Paz está em nosso favor. Que a sua escola nos ensine a lição da mansidão e da justiça do Coração de Seu Filho, para que, afastadas todas as ações de egoísmo e tempestividade, sempre irmanados pela Cruz do Senhor, que venceu o mal e o ódio, vivamos na harmonia e na paz, construindo dias melhores.  

Dom Dulcênio Fontes de Matos Bispo de Campina Grande

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