Vicariato para Educação, Cultura e Universidades lança mais um artigo, desta vez o tema é: Igreja Católica e Ateísmo

Atualizado em 07/08/20 às 11:184 minutos de leitura434 views

IGREJA CATÓLICA E ATEÍSMO Entre tolerância e verdade

 O ateísmo é um fenômeno multifacetado e objeto de estudo de diversas áreas de conhecimento, como as Ciências da Religião, a Filosofia, passando também pela História, Teologia e outros. Embora seja antigo, ganhou força e melhor teorização sistemática com o Renascimento, período em que “o homem moderno [...] pôs-se a rejeitar Deus precisamente em nome de sua dignidade” (J. PAULO II, 1980). O termo, contudo, encontra-se citado pela primeira vez num importante texto escrito por Platão, após a morte de Sócrates: a sua famosa Apologia (PONDÉ, 2012, p. 161).

Na verdade, “o ateísmo moderno nasce com a radicalização do Iluminismo francês e, depois, com Feuerbach, Marx, Nietzsche e Freud” (ZILLES, 1991, p. 99). Quatro pensadores que, juntamente com Darwin, seriam chamados por alguns de “cavaleiros do ateísmo contemporâneo” (PONDÉ, p. 166).

Mas, sobretudo no século XX, foi que a Igreja Católica se expressou clara e diretamente a respeito do ateísmo. De grande relevância, sem dúvidas, revelou-se o posicionamento do Concílio Vaticano II sobre esse tema, através da Constituição Pastoral Gaudium et Spes (GS). Para a questão do ateísmo, a referida Constituição Conciliar dedicou diversos parágrafos, nos quais discorre, entre outras coisas, sobre suas formas e causas (n. 19) e qual deve ser a atitude da Igreja frente a esse complexo fenômeno (n. 21).

Desse significativo texto Conciliar, destacam-se dois pontos. Em primeiro lugar, o fato de o Concílio não responsabilizar unicamente os ateus pela sua descrença em Deus, mas admitir que “os próprios crentes, muitas vezes, têm responsabilidade neste ponto” (n. 19). E justifica a razão disso da seguinte maneira: “Os crentes podem ter tido parte não pequena na gênese do ateísmo, à medida que, pela negligência na educação da sua fé, ou por exposições falaciosas da doutrina, ou ainda pelas deficiências da sua vida religiosa, moral e social, se pode dizer que antes esconderam do que revelaram o autêntico rosto de Deus e da religião” (Idem; grifos nossos). E prossegue: “Quanto ao remédio para o ateísmo, ele há de vir da conveniente exposição da doutrina e da vida íntegra da Igreja e dos seus membros” (n. 21).

Esse mesmo pensamento é retomado mais tarde por João Paulo II, numa de suas Audiências, em 14 de abril de 1999. Após citar diretamente o número 19 da Gaudium et Spes, o Papa acrescenta: “Está precisamente no testemunho do verdadeiro rosto de Deus Pai a resposta mais convincente ao ateísmo”. E conclui sua Catequese apontando o modo concreto de se proceder em relação a isso: “É então o anúncio do Evangelho, corroborado pelo testemunho de uma caridade inteligente (cf. GS, 21), a via mais eficaz para que os homens possam divisar a bondade de Deus e, de maneira progressiva, reconhecer o Seu rosto misericordioso”.

Outro aspecto importante da Constituição é a postura de tolerância que a Igreja é chamada a ter para com os ateus, primeiramente procurando “descobrir no espírito dos ateus as causas ocultas da sua negação de Deus”, como também estabelecendo com eles um “prudente e sincero diálogo”, mesmo que “rejeite inteiramente o ateísmo” (n. 21).

Apesar de sua transigente atitude, a Igreja não se eximiu em deixar claro que o ateísmo, “na medida em que rejeita ou recusa a existência de Deus [...], é um pecado contra o primeiro mandamento” (CATECISMO, n. 2140). Ademais, não raras vezes, o Magistério Pós-Conciliar chamou a atenção dos fiéis para “formas particularmente devastadoras de ateísmo ‘teórico’ e ‘prático’” (J. PAULO II, 1999), considerando este último como o mais ameaçador.

Acerca disso, pronunciou-se o Papa Bento XVI, por ocasião do Ano da Fé: “Existe uma forma de ateísmo que definimos ‘prático’, no qual não se negam as verdades da fé ou os ritos religiosos, mas simplesmente se consideram irrelevantes para a existência cotidiana, destacada da vida, inúteis”. Ainda conforme o Pontífice alemão, o resultado disso é crermos em Deus “de modo superficial” e vivermos como se Ele não existisse (etsi Deus nos daretur). Por essa razão, Bento XVI classificou o ateísmo prático como “um fenômeno particularmente perigoso para a fé” (Audiência Geral, 14 de novembro de 2012).

A postura da Igreja Católica frente ao ateísmo conjuga, portanto, duas atitudes diferenciadas, sem, contudo, serem antagônicas: por um lado, a da tolerância, do respeito e do diálogo e, por outro, a de não dissimular sua gravidade (cf. GS, n. 19), cujas consequências estão para além do fato de ser ou não cristão.

De todo modo, é responsabilidade comum, de crentes e não-crentes, cooperarem mutuamente com uma sadia relação dialógica. Os primeiros reconhecendo que “na experiência de Deus sempre há uma interrogação” (BERGOGLIO, 2013, p. 24) e os últimos admitindo – como fez um ateu contemporâneo – que “a hipótese de Deus é muito mais complexa do que a do ateísmo” (PONDÉ, p. 176).

 

Agosto de 2020

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Francivaldo da S. Sousa (Vavá)

Consagrado da Comunidade Remidos no Senhor Graduado em Teologia Membro do Vicariato para a Educação, Cultura e Universidades

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REFERÊNCIAS BENTO XVI. Audiência Geral, 14 de Novembro de 2012. BERGOGLIO, Jorge. SKORKA, Abraham. Sobre o céu e a terra. Tradução Sandra Martha Dolinsky. – 1ª Ed. – São Paulo: Paralela, 2013. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 2011. CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo de hoje. São Paulo: Paulus, 2014. JOÃO PAULO II. Discurso aos participantes no Congresso sobre evangelização e ateísmo. 10 de Outubro de 1980. ________­____________. Audiência, 14 de Abril de 1999. PONDÉ, Luiz Felipe. Ateísmos: história, crítica e ressentimento. In: Religião, modernidade e pós-modernidade: interfaces, novos discursos e linguagens. José J. Queiroz, Maria Luiza Guedes, Angela Maria Lucas Quintiliano (organizadores). – Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2012. ZILLES, Urbano. Filosofia da religião. São Paulo: Paulus, 1991. – Coleção Filosofia.  

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