Somos todos irmãos

Postado em 08/09/20 às 11:555 minutos de leitura508 views

O evangelho deste Domingo (cf. Mt 18,15-20) faz parte de um dos discursos mais significativos do primeiro evangelho. Mateus se caracteriza por uma narração da atuação de Jesus que vem reforçada por uma série de discursos. Neste caso, o capítulo 18 do seu evangelho se constitui o assim chamado “discurso eclesiológico” ou sobre a comunidade, porque se contemplam nas normas básicas de comportamento da comunidade cristã: acolhimento, perdão, compreensão, solidariedade e, sobretudo o amor fraterno. Hoje aparece o que se chama a “correção fraterna”, o tema do perdão dos pecados no interior da comunidade e o valor da oração comum.

Através desse relato que na comunidade de Mateus existem conflitos, tensões e problemas de relacionamento e convivência entre as pessoas e os diversos grupos: há pessoas que se julgam superioras às outras e que querem ocupar os primeiros lugares; há pessoas que tomam atitudes autoritárias; há pessoas que magoam e ofendem outros membros da comunidade; há pessoas que têm dificuldade em perdoar as falhas e os erros dos outros… Portanto, trata-se de pecados graves que afetam a comunhão, e para isso se deve seguir uma práxis de advertência, com necessidade de testemunhas, para que ninguém seja “excomungado”, expulso da comunidade sem uma verdadeira pedagogia da caridade e de compreensão.

Não nos esqueçamos de que é toda a comunidade cristã que tem a obrigação de corrigir o irmão que errou. O poder de “atar e desatar”, que em Mateus 16 se conferia a Pedro, dias atrás, completa-se aqui. É na comunidade onde tem todo sentido a reconciliação, o perdão dos pecados.

Mateus desenha um modelo ideal de comunidade para os cristãos de todos os tempos: a comunidade de Jesus tem de ser como uma família de irmãos, que buscam viver em harmonia e comunhão no amor fraterno e na oração comum. Mateus fala de um novo estilo de vida em comunidade e vai empregar aqui pela primeira vez o termo “irmão” se referindo aos membros da comunidade. Mas, quais são as consequências ou implicações do uso deste termo no nosso modo de agir e viver nas nossas relações interpessoais?

“Se o teu irmão pecar contra ti, vai corrigi-lo mas em particular, a sós contigo! Se ele te ouvir, tu ganhas-te o teu irmão.” (v. 15) O cenário é claro: Jesus se dirige aos ouvintes considerando-os todos filhos e filhas do mesmo Pai. O vínculo que os une, portanto, é a fraternidade, esse é o laço que inter-relaciona cada um deles. “Somos todos irmãos e não devemos de forma alguma subjugar os outros irmãos e irmãs... deve haver entre nós uma atitude simples e fraterna. Somos todos irmãos e não devemos de forma alguma subjugar os outros e olhá-los de cima para baixo. Não. Somos todos irmãos... Não devemos nos considerar superiores aos outros; a modéstia é essencial para uma existência que quer se conformar com o ensinamento de Jesus, que é manso e humilde de coração e veio não para ser servido, mas para servir”. (Papa Francisco)

Jesus nos ensinou que na comunidade: “Vocês não deixem que os chamem de mestres, pois um só é o Mestre de vocês, e vocês todos são irmãos. Na terra, não chamem ninguém de Pai, pois um só é Pai de vocês, o Celeste. Nem deixem que os chamem de líderes, pois um só é o líder de vocês, o Messias. O maior de vocês será aquele que os serve.” (Mt 23, 8-11)

Na comunidade eclesial, na família ou nas relações interpessoais: escândalos, tensões, conflitos ou desentendimentos são inevitáveis. A “correção fraterna” é muito importante, porque todos somos pecadores, e temos um certo direito à nossa intimidade. Então Jesus nos apresenta os diversos passos, a maneira de realizar essa correção mútua. O melhor seria evitar todo escândalo e normalizar a situação a quatro olhos. Longe de perder o tempo falando com outros das faltas dos outros, através das “fofocas”, a primeira coisa que se tem a fazer é tratar o que há de errado, pessoalmente através do diálogo com o irmão, com a única intenção de recuperá-lo, de “ganhar” o irmão antes que seja tarde, que ele se perca definitivamente. Porque Jesus buscou salvar sempre o que estava perdido. A finalidade de sua vida não foi a de julgar, condenar ou castigar, mas “ganhar” o irmão, encontrar a ovelha perdida, acolher o filho perdido.

A correção ou reconciliação mútua educa-nos a conviver com o mal próprio, e também com o dos outros, educa-nos a ser tolerantes. Fala-se muito hoje em tolerância. A palavra “tolerância” é essencialmente cristã, exige o respeito pelo outro, pelas suas diferenças, até pelos seus erros e falhas. No entanto, ser tolerante não significa que cada um possa fazer o mal ou o bem que quiser; não implica recusarmo-nos a intervir quando alguém toma atitudes que atentam contra a vida, a liberdade, a dignidade ou os direitos dos outros; nem quer dizer que devamos ficar indiferentes quando alguém assume uma postura ou comportamentos de risco.

A Igreja rodeada de tantos conceitos de tolerância e de não exclusão tem consciência de que não é perfeita; não é uma “seita de puros”, comunidade de puritanos perfeitos, mas de homens e mulheres que, em meio a limitações e fraquezas humanas, caminha como irmãos e irmãs que se ajudam mutuamente no seguimento de Cristo. Jesus não vê a comunidade dos discípulos como uma associação de indivíduos na qual cada um trata da sua vida ou pode fazer o que quiser, sem que ninguém se preocupe com o outro. A correção fraterna é um serviço recíproco que podemos e devemos oferecer uns aos outros. Corrigir os irmãos é um ministério, e só será possível e eficaz se cada um se reconhecer pecador e necessitado do perdão do Senhor.

A reconciliação ou a correção fraterna, em qualquer grupo, é sempre difícil, talvez seja uma das atitudes que mais nos custa viver com maturidade. Mas, a correção se torna simples quando brota do carinho e da humildade, quando está permeada pelo amor e pela misericórdia. Afinal, somos humanos e todos cometemos equívocos em algum momento da vida. Esta correção busca, a partir do coração, não humilhar ou excluir, mas sustentar o irmão nas dificuldades.

O evangelho deste domingo é um ensinamento significativamente comunitário. Ele nos recorda a necessidade do diálogo e da compaixão em nossas relações humanas. Relações que são, em definitivo, o eixo principal de nossa vida comunitária e eclesial. De nada servem as reuniões, os encontros, os retiros, as celebrações ou projetos que realizamos se não cuidamos, concretamente, da relação com os outros, com as irmãs e irmãos que o Senhor nos presenteou como companheiros de caminhada.

Que nossas comunidades cristãs, mesmo que sejamos uns poucos, “dois ou três”, à semelhança da primeira geração de cristãos, “reunidas em seu nome” e alimentando-se do seu Evangelho sejamos comunidades fraternas onde se notam as marcas do amor. Os que são de fora deveriam olhar para nós e dizer: “eles são diferentes, são irmãos e se amam mais que os outros”.

Padre Assis Pereira Soares Pároco da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus.

Comentários (0)