Saiu o semeador a semear

Postado em 13/07/20 às 12:285 minutos de leitura469 views

Neste e nos próximos dois domingos, escutamos algumas parábolas com as quais Jesus anuncia “os mistérios do reino dos céus”. A primeira parábola, a do semeador (cf. Mt 13, 1-23) é a mais importante e dela dependem as subsequentes, narra a aventura da semente caída nos diferentes tipos de terreno. Jesus é o Semeador divino que continua hoje a semear em nossos corações a sua Palavra de salvação.

Os discípulos perguntaram a Jesus: “Porque falas ao povo em parábolas?” (v.10) Por trás desta pergunta está uma questão para nós muito atual: a da linguagem religiosa, do como falar adequadamente de Deus hoje. Frequentemente, a linguagem usada por nós pregadores para falar de Deus é difícil, fraca, às vezes, inadequada, embaraçosa ou genérica. Por isso, a necessidade de aprofundar, de se colocar na escola de Jesus, de se deixar guiar por Ele na busca de uma linguagem capaz de "dizer Deus".

Jesus não faz discursos longos e complicados, mas, como é o seu costume, serve-se de pequenas parábolas, que nascem da sua capacidade de gratuidade e de contemplação da realidade. As parábolas surgem do coração de Cristo, da sua paixão pelo Pai e do seu amor pelas pessoas, da urgência do evangelho, da necessidade de revelar o rosto do Pai, o segredo da sua obra de salvação, o poder do seu Reino. As parábolas são espontâneas, não artificiais, nascem da própria vida.

“O semeador saiu para semear...” (v.3) De acordo com os costumes agrícolas daquele tempo, o plantio ocorria antes que a terra fosse preparada: o agricultor espalhava a semente por toda a parte. O maravilhoso desta parábola é que não obstante as adversidades do terreno e de não oferecer garantias de colheita, o semeador lança sua semente.

“O semeador saiu para semear...”, assim Jesus apresenta-nos uma pessoa em movimento, é preciso sair, mover-se, caminhar, e no seu caminho o semeador semeia sementes. O semeador tem um objetivo: deseja que sua semente germine, cresça e produza fruto abundante.

Há pessoas que diante das adversidades e dificuldades se fecham, perdem o ânimo do trabalho pastoral, se deixam paralisar pelo medo. Hoje somos convidados ao contrário: a confiar na eficácia da Palavra de Deus, pois ela é em si fecunda e eficaz, mas sua eficácia não depende só da carga salvífica que leva dentro de si. A Palavra só pode atuar como tal quando é semeada no terreno bom, no coração das pessoas.

Jesus diz que uma parte da semente caiu à beira do caminho, onde foi devorada pelos pássaros; outra parte caiu em terreno pedregoso e logo brotou, mas depois, quando o sol apareceu, secou por falta de raízes; outra parte caiu entre os espinhos, que logo a sufocaram; outra parte, enfim, caiu em terra boa e deu frutos. Esta parábola deve servir-nos para examinar nossa capacidade de escuta: “Quem tem ouvidos ouça!” (v.9)

Os diferentes tipos de terreno da parábola são as diferentes formas de “ouvir a Palavra de Deus”, a nossa capacidade de escuta, pois temos dificuldades de audição, nossos ouvidos perderam a capacidade da escuta verdadeira, disse-nos Jesus na explicação da parábola: “O coração deste povo se tornou insensível. Eles ouviram com má vontade e fecharam seus olhos, para não ver com os olhos, nem ouvir com os ouvidos, nem compreender com o coração..”. (vv. 15-16)

Esta parábola convida-nos a examinarmos nosso coração, nossa vida: Que tipo de terreno ou de ouvinte sou eu? Que terreno ofereço à semente, à Palavra que Deus põe em meu coração? Esta Palavra é um chamado à conversão, temos que acolhê-la, intentando que deite raízes profundas. Acima de tudo, é preciso interiorizar a Palavra, “ruminá-la” com atenção, caso contrário o “Maligno” logo a rouba: uma escuta superficial não é uma verdadeira escuta, é infrutífera como a semente semeada à beira do caminho. “O nosso coração, como um terreno... pode ser duro, impermeável. Isso acontece quando ouvimos a Palavra, mas ela escorrega precisamente como numa estrada: não entra.” (Papa Francisco)

Também é preciso perseverar na escuta: é fácil acolher a Palavra com alegria por um curto período de tempo, deixar que ela dê fruto por um instante, como a semente entre as pedras; mas, assim, somos como pessoas superficiais, inconstantes, “de momento”, sem raízes; incapazes de enfrentar as tribulações que uma escuta autêntica envolve. “É assim o coração superficial, que acolhe o Senhor, quer rezar, amar e testemunhar, mas não persevera, cansa-se e não cresce. É um coração sem consistência, no qual as pedrinhas da preguiça prevalecem sobre a terra boa, onde o amor é inconsistente e passageiro. Mas quem acolhe o Senhor só quando lhe apetece, não dá fruto.” (Papa Francisco)

Igualmente é preciso lutar contra os sedutores ídolos do mundo, particularmente, o da acumulação de riquezas, do poder; caso contrário, a Palavra é sufocada como a semente dos espinhos e não chega a dar o fruto de uma fé madura. Se cultivarmos essas sarças do terreno espinhoso, sufocamos o crescimento de Deus em nós. “Cada um pode reconhecer as suas sarças pequenas ou grandes, os vícios que habitam no seu coração, aqueles arbustos mais ou menos radicados que não agradam a Deus e impedem que se tenha o coração limpo. É necessário arrancá-los, senão a Palavra não dará fruto, a semente não crescerá.” (Papa Francisco).

Por fim, diz Jesus, “outras sementes, porém, caíram em terra boa, e produziram à base de cem, de sessenta e de trinta frutos por semente”. (v.8) Essa é a escuta da Palavra feita com um coração bom. Questionemo-nos se o Evangelho que escutamos tão frequentemente produz em nós algum fruto? Frutos de vida cristã? Para o cristão, escutar a Palavra de Deus deve levá-lo ao seguimento radical de Cristo, até identificar-se espiritualmente com Ele.

Inclinemos o ouvido do coração e escutemos esta parábola do semeador com atenção e meditemo-la com humildade, pedindo a Deus que nos dê um coração dócil para receber eficazmente sua Palavra.

E não nos cansemos de ser bons agricultores dos campos divinos, de preparar o terreno para que a boa semente do Evangelho tenha uma digna acolhida no nosso coração e das outras pessoas.

 

Pe. José Assis Pereira Soares Pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus 

Comentários (0)