Quem dera que todo o povo de Deus profetizasse!

Atualizado em 25/06/19 às 10:075 minutos de leitura417 views
Hoje Jesus continua a ensinar aos seus discípulos. Marcos reuniu em seu Evangelho (cf. Mc 9, 38-48) um conjunto de “ditos” de Jesus para dizer que em seu Reino toda pessoa que em seu nome faça as obras que Ele faz, é contado entre seus discípulos. E também que só o que for causa de escândalo será excluído. A comunidade cristã primitiva e já antes a comunidade judaica do deserto estão marcadas pela intolerância exclusivista no que diz respeito a quem não pertence ao próprio grupo seja por parte de Josué (cf. Nm 11,25-29) seja por parte do Apóstolo João: "Mestre, vimos que um homem expulsar demônios em teu nome, mas nós o proibimos, porque ele não nos segue”. (Mc 9,38) Ora, Moisés recebeu do Senhor, a ordem de transferir parte de sua graça espiritual a setenta anciãos para que lhe ajudassem a instruir e governar o povo, porém dois que não estavam presentes neste ato receberam assim mesmo o dom do Espírito e começaram a atuar com aqueles outros. Josué que tinha um caráter impetuoso como o de João, pediu a Moisés que aqueles dois deixassem de profetizar. A resposta da Moisés foi magnífica: “Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta, e que o Senhor lhe concedesse o seu espírito!” (Nm 11,29) Quem dera que todo o povo de Deus profetizasse! Este profetismo que Moisés sinaliza está bem desenhado pelo Concílio Vaticano II que apresenta a Igreja como “povo de Deus” e sinal, “Sacramento da Reconciliação” para toda a humanidade, pondo em relevo a condição profética de todos os cristãos batizados. Somos um povo de Profetas. O que o Senhor fez, retirando uma parte do Espírito que estava em Moisés tem plena realização no nosso Batismo. É-nos comunicado o Espírito de Deus em Jesus Cristo de modo que todo cristão tem esta condição já que participa da missão profética de Jesus, como membro do seu corpo, sua Igreja. O profeta não é um adivinho, nem um visionário que anuncia coisas que vão acontecer no futuro, mas alguém que ajuda a descobrir a presença Deus ou onde estão as suas pegadas no mundo e, com o testemunho de sua vida, chama atenção para que seus contemporâneos encontrem essa presença do Absoluto que continua falando-nos nos ambientes mais insuspeitos. O profeta é aquele que fala em nome de Deus, seu porta-voz, fazendo eco dos seus ensinamentos pela vida e pela palavra oportuna. O profeta põe em destaque qual é o projeto de Deus para a humanidade e por onde vão hoje os seus desígnios de salvação. Jesus descobre em sua vida pública um novo modo de ser profeta fundado no poder de todo homem e mulher para mudar o mundo vencendo o mal com a força do bem. É uma forma de “fazer milagres” e “expulsar demônios” porque todos temos a possibilidade de dar o melhor de nós mesmos trabalhando por um mundo mais justo e humano sinal do Reino de Deus. Neste sentido todos somos agentes desta transformação ainda que não estejamos “inscritos” em um determinado grupo de ação pastoral. É que nenhum grupo humano por mais elevado que seja tem a exclusividade e o monopólio de fazer o bem. É a grande esperança que nos dá Jesus ao dizer que aquele que estava fazendo o bem “não é dos nossos”, mas não o proibais, “pois ninguém faz milagres em meu nome para depois falar mal de mim”. (Mc 9,39) Ninguém possui o privilégio exclusivo do bem. Quando encontramos uma pessoa disposta a fazê-lo, demos graças a Deus e animemo-la a continuar fazendo. O bem sempre é obra de Deus. Todos os esforços na luta pela libertação e pela dignidade humana onde quer que seja, nos fala do amor de Deus pela humanidade e de sua ação libertadora frente às vitimas do ódio, da exploração, do desprezo, da discriminação injusta, do preconceito, e da falta de amor. O Evangelho nos diz que qualquer ato, qualquer gesto, por menor que seja, como o de dar um copo d’água a quem tem sede não ficará sem recompensa (cf. Mc 9,41), porque sempre será o sinal do seguimento de Cristo e do amor de Deus, uma mediação na implantação do seu Reino. Pensemos em tantas obras assistenciais da Igreja ou das comunidades cristãs, para muitos o único sinal visível da presença de Deus na Igreja institucional. È certo que é como um copo d’água, é pouca coisa, talvez por isso mesmo é sinal, algo aparentemente sem importância mas não carente de valor. Daí porque Jesus escolheu como exemplo demonstrativo, porque nosso Deus se ocupa das necessidades aparentemente pequenas ou insignificantes de seus filhos e filhas. Continuando Jesus fala do mal, nos advertindo da força do mal sempre possível em nós: “Se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem, melhor seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço”. (Mc 9, 42) A linguagem metafórica é dura, nos fala de ser intransigentes quando alguém é causa de escândalo. “Escândalo” etimologicamente significa a colocação de uma pedra como obstáculo para impedir a passagem, portanto fazer tropeçar, ocasião de queda ou obstáculo. Escandalizar os pequenos é ser motivo para que eles se desviem do caminho e percam a fé em Deus. Quem faz isso, recebe como sentença, um castigo romano terrível que se prolongava até “post mortem”: Afogar o escandalizador no fundo dos mares de tal modo que o cadáver não pudesse flutuar para ser sepultado. Por que tanto rigor? Nos evangelhos a expressão “pequenos” às vezes indica “as crianças”, porque as crianças pertenciam à categoria dos “pequenos”, dos excluídos; outras vezes indica setores excluídos da sociedade. Mas, seja o que for o que está claro é o contexto de exclusão vigente da época, e a imagem que as primeiras comunidades tinham de Jesus: Jesus se identifica com os pequenos! Para Jesus as relações intra-eclesiais, têm que reger-se pelo mandamento do amor. A caridade pastoral, esse amor-serviço se expressa nas pequenas coisas, ou até insignificantes, do dia a dia, como por exemplo, dar um copo d’agua. Mas, outra forma de viver a caridade é evitando o escândalo. Por amor ao irmão se deve estar disposto a acabar com qualquer coisa que o possa prejudicar. Este texto é aplicado com frequência para assinalar o cuidado que devemos ter com a criança, com o menor de idade, hoje por desgraça é um tema da atualidade pelos casos de pedofilia. Mas, não devemos restringir sua intencionalidade. Jesus quer dizer que todos somos responsáveis pela fé dos outros e devemos cuidar dela. Hoje, em muitos lugares, os pequenos, os pobres, muitos deles abandonam a Igreja católica e as igrejas tradicionais da reforma e vão a outros grupos religiosos. Antes de acusar os que pertencem a estes grupos é bom nos perguntar: Por que saíram de nossa casa? Se saíram, não é porque não se sentiam em casa conosco? Algo nos falta. Até que ponto somos culpados? Mereceríamos nós a corda e a pedra no pescoço? Mas, poderão essas pedras de escândalo vir de dentro da própria comunidade? Pe. José Assis Pereira Soares

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