Os frutos de nossa vida

Atualizado em 25/06/19 às 09:325 minutos de leitura434 views
Depois das exigências do amor aos inimigos que escutamos no evangelho do domingo passado (cf. Lc 6, 27-38), hoje Jesus nos convida a revisar-nos a nós mesmos. Às vésperas de celebrar a “quarta-feira de cinzas”, abertura da Quaresma, a Liturgia nos convida a nos perguntar se os frutos que estamos dando em nossa vida são os frutos que Deus espera de nós, e a tomar a sério o caminho de conversão e de preparação para a Páscoa que começaremos na próxima quarta-feira depois do carnaval. Continuamos ainda no amplo “discurso da planície” dirigido aos discípulos e às multidões no evangelho de São Lucas (cf. Lc 6,39-45). Jesus nesta parte do seu discurso envolve de um modo ainda mais direto os seus ouvintes, com uma parábola que contém uma série de quatro perguntas muito fortes: “Pode um cego guiar outro cego? Não cairão os dois num buraco?” (v. 39) “Por que vês tu o cisco no olho do teu irmão, e não percebes a trave que há no teu próprio olho?” (v. 41) As quatro imagens incidem sobre a realidade do olhar. A relação irmão/trave, cisco/olho pretende remover um grande obstáculo; a hipocrisia! ”Como podes dizer a teu irmão, deixa-me tirar o cisco do teu olho, quando tu não vês a trave no teu próprio olho? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás enxergar bem para tirar o cisco do olho do teu irmão.” (v. 42) Jesus põe a descoberto as raízes e as consequências da hipocrisia: é uma conduta que não exprime o pensar do coração. Nas nossas relações é preciso estarmos atentos aos juízos, para não condenarmos hipocritamente o outro pelos seus pequenos defeitos, esquecendo os grandes defeitos que podem existir em nós mesmos. É fácil pensar que os outros são os que não fazem bem as coisas. Quantas vezes lemos na Escritura algum texto, ou escutamos a homilia de um sacerdote, e pensamos: “como seria bom se fulano tivesse escutando isso…” Por isso hoje Jesus nos chama a atenção e nos diz que não é possível querer tirar o cisco no olho do outro e não enxergamos a trave em nosso próprio olho. Quer dizer que temos de começar por julgar-nos a nós mesmos antes de julgar os outros, que temos de corrigir-nos a nós mesmos antes de pretender corrigir os outros. Temos de abrir bem os olhos, mas não para fixar-nos nas faltas e nos defeitos dos outros, mas sim para ver primeiro nossas faltas e defeitos, para tirar as “traves” de nossos olhos, e então, quando estivermos vendo com clareza, poder guiar a outros, poder lhes ajudar a tirar o cisco que têm em seu olho. Como é fácil exigir aos outros, quando nós não fazemos muitas vezes nem a metade do que exigimos deles. Se queremos que as coisas vão bem, se desejamos que o mundo ou mesmo a Igreja funcionem melhor, comecemos por mudarmos a nós mesmos e ponhamo-nos a caminho da conversão, e depois estaremos à disposição e em condições de ajudar aos outros a que se corrijam. De que temos o coração cheio? É outro questionamento que Jesus nos faz, convidando a perguntar-nos o que temos em nosso interior, em nossa mente e coração. Pois “sua boca fala do que o coração está cheio.” (v. 45) Se queremos um critério que nos ajude a conhecer o que temos em nosso coração, fixemo-nos nas coisas que dizemos. De que coisas falamos? Quais são os nossos temas habituais de conversação? Quais são as palavras mais frequentemente usadas por nós? Somos humanos e cristãos não devemos deixar que os nossos juízos possam esvaziar nossa humanidade. Assim é como saberemos se nosso coração está cheio de amor e de compaixão para com os outros ou está bem mais cheio de juízos ou criticas; ou se na verdade está cheio de Deus. Jesus nos recorda que cada árvore dá o fruto que lhe corresponde, e que de uma árvore boa se espera que dê fruto bom, enquanto que de uma árvore má se espera que dê fruto mal. Do mesmo modo, de uma pessoa que tem um bom coração, cheio do amor de Deus, sairão os frutos da bondade, do amor e da misericórdia para com os outros, enquanto que um coração cheio de maldade, de rancor e de juízos dos outros só poderá dar frutos de ódio, de divisão e de maldade. Uma pessoa boa é no coração e demonstra no exterior frutos de bondade, tal como a pessoa má deixa transparecer o mal que existe nela. É importante para Jesus não ser hipócrita, isto é,  saber harmonizar o bem interior com o exterior, contra a falsidade de quem pensa diferentemente de como fala ou de como se manifesta. Por isso, este domingo é um bom dia, próximo de iniciarmos a Quaresma, para que nos perguntemos: quais são os frutos que estou dando? Mais é sumamente importante recordar que não somos nós quem pode mudar nosso coração e mente, por mais que nos esforcemos nisso. É Deus, como nos disse São Paulo (cf.  1Cor 15, 54-58): “Graças sejam dadas a Deus que nos dá a vitória.” Quem nos dá a vitória sobre o mal e sobre a morte, é Ele, quem venceu a morte com sua própria morte. Assim, se desejamos dar os bons frutos que Deus espera de nós, o primeiro que temos de fazer é nos aproximarmos dele, com um coração simples e humilde, para que Ele encha nosso coração de bondade e de amor. Demos graças a Deus que nos dá a vitória por meio de Jesus Cristo, como nos convida são Paulo, conscientes de que não somos nós, mas sim é Deus quem vence a morte. Já não há nada que possa conosco se estamos com Ele e nele. Estamos em pleno carnaval. Num país onde esta festa faz parte da cultura, os cristãos compreenderão essa festa como uma oportunidade de expressar que é possível ser feliz sem cometer infidelidades ao ensinamento de Cristo. O paradoxo consiste em festejar, sem apelar para os recursos que mascaram a verdade e a bondade que devem marcar a existência humana. Muitos cristãos encontram outra forma de aproveitar o feriado participando dos chamados retiros de carnaval. Mas outros cristãos aproveitam para participar das festas para se divertirem em meio aos demais foliões. Em ambos os casos, o testemunho cristão dependerá de atitudes concretas que revelam fidelidade a Jesus Cristo. Nada mais estranho para um cristão do que crer, pensar e falar de uma forma, e agir e viver de outra. Isso é hipocrisia. É viver no bloco dos “mascarados” a vida inteira. A coerência entre o ser, o falar e o fazer do cristão se manifesta tanto na dor quanto na alegria, por isso, nem mesmo o carnaval pode impedir o testemunho da fé e coerência de um discípulo de Cristo. Que o tempo da Quaresma que estamos já para começar, seja um tempo propício de conversão para nos aproximarmos de novo de Deus e deixar que Ele nos transforme. Que nos ajude a tirar as “traves” que temos em nossos olhos, que encha nosso coração de amor e de misericórdia, pois é Ele quem morreu por nós na cruz e é Ele quem nos dá a salvação.

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