O filho que diz sim ao Pai

Postado em 26/09/20 às 15:085 minutos de leitura906 views

O Evangelho de São Mateus (cf. Mt 21,28-32), com a “parábola do pai e dos dois filhos”, é provocativo, mas permanece no mesma tônica dos últimos domingos. A parábola se enquadra dentro dos acontecimentos que tiveram lugar na etapa final da caminhada de Jesus. Depois da sua entrada em Jerusalém, da expulsão dos vendedores do Templo e da discussão sobre a sua autoridade, o conflito com os escribas e fariseus, os anciãos e líderes do povo recrudesce (cf. Mt 21,1-27).

Mateus pôs aí três parábolas, todas muito fortes e que têm como destinatários a elite dirigente do povo judeu e suas lideranças religiosas que aparecem como o motor da oposição a Jesus, pois não estão dispostos a reconhecê-lo como o Messias e aceitar sua autoridade para propor uma nova realidade, o Reino aos “de fora”: aos pecadores, aos pagãos ou não judeus.

A parábola sobre os dois filhos é própria de Mateus, que a deve ter guardado muito bem, porque ele mesmo era publicano de profissão e largara tudo para seguir o Mestre, ao escrevê-la demonstrou que não tinha nenhuma simpatia por aquelas lideranças religiosas.

A parábola faz entrar em cena três personagens: um pai e dois filhos. O pai mandou os dois filhos trabalharem na sua vinha. O primeiro deu uma resposta negativa: “não quero”, no entanto, acabou por reconsiderar e foi trabalhar (vv.28-29). O segundo filho respondeu: “sim, senhor, eu vou”, no entanto, não foi trabalhar na vinha (v.30).

A intenção de Mateus com esta parábola é fazer com que os seus ouvintes reflitam acerca das duas perguntas colocadas por Jesus: “Que vos parece?” E “qual dos dois fez a vontade do pai?” (v.31) A resposta é tão óbvia que os próprios interlocutores de Jesus não têm qualquer dificuldade em responder: “o primeiro”, aquele que foi trabalhar na vinha apesar da negativa inicial.

Mas poderíamos até provocar e dizer que nenhum dos dois é bom filho: o primeiro porque é hipócrita; o segundo porque é arrogante. Mas, a pergunta de Jesus não é sobre quem se comportou como “bom filho”, mas quem “fez a vontade do pai” e esta questão é também a nós dirigida: diante do chamamento do Senhor, qual a nossa resposta?

Jesus continuando a sua história usou umas palavras que eles não esperavam: “os cobradores de impostos e as prostitutas vos precedem no Reino de Deus.” (v.31) Estas palavras certamente feriram profundamente o orgulho de seus ouvintes, a elite de Israel. Também a nós nos provocam!

Será verdade o que Jesus diz? Os escribas se debruçam sobre a Lei: o nome de Deus está sempre nos seus lábios. Os sacerdotes do templo louvam a Deus sem cessar; as suas bocas estão cheias da Palavra de Deus. Ninguém duvidaria que fazem a sua santa vontade. Mas as coisas nem sempre são como parecem. Os cobradores de impostos, pecadores públicos e prostitutas não falam a ninguém de Deus. Faz tempo que esqueceram a sua Lei. No entanto, Jesus diz que estão à frente dos sumos sacerdotes e escribas no caminho do Reino de Deus.

O que via Jesus naqueles homens e mulheres pecadores desprezados por todos? Talvez sua humilhação. Talvez um coração mais aberto a Deus e mais necessitado do seu perdão. Quem sabe uma compreensão e uma proximidade maior com os últimos da sociedade. Talvez menos orgulho e prepotência que a dos escribas e sumos sacerdotes.

Portanto, a referência aos publicanos e prostitutas não significa que Jesus os apresente como modelos de discipulado. O único modelo é Ele mesmo. Mas, é sintomático que Mateus tenha posto essa parábola praticamente na semana que precedia a paixão do Senhor. Porque a verdadeira religião consiste em fazer plenamente a vontade do Pai e esta passava pela morte de Cruz. Jesus se torna, então, o verdadeiro modelo do cristão, cumprindo a vontade do Pai.

Jesus olha o interior da pessoa, e não às atitudes externas ou as aparências. Ele nos ensina assim que o filho que honra o pai não é quem cumpre os ritos externos, mas quem faz sua vontade. O amor deve ser manifestado com atitudes concretas que expressam o que há no interior da pessoa. Jesus ensina que o importante não são as palavras pronunciadas, mas “quem ouve estas minhas palavras e as põe em prática” (Mt 7,24).

Os judeus, os fariseus, os sacerdotes e os anciãos do povo, bem sabemos, foram os primeiros a ser chamados por Deus, disseram “sim”. Israel fez muitas promessas, mas depois, não as cumpriu, por sua conduta infiel, por sua recusa a acolher o convite à conversão e a sua resistência a admitir que Jesus é o Messias, foi rejeitado, apesar das promessas feitas por seus líderes. Ao contrário, os pagãos, que são tidos como indignos de ter parte no Reino, entrarão em primeiro lugar. Porque essa pobre gente, tão rejeitada, se reconheceu pecadora, se negou desde o princípio a admitir o convite do Pai, que os chamava carinhosamente, mas acolheu por fim o convite de João Batista à conversão e a proposta do Reino que Jesus lhes apresentou, reconheceu sua culpa com arrependimento. Jesus, então revela que a salvação só pode ser acolhida por quem está disponível a retornar para Deus, arrependendo-se do mal feito e abandonando os próprios caminhos de pecado.

A essa altura podemos ainda nos perguntar, com qual dos dois filhos me pareço? Com o primeiro filho que é capaz de fazer solenes compromissos, mas esquece da vontade do Pai? Ou com o segundo que tem consciência de ter dito “não” a Deus, mas, na sua fragilidade, volta atrás e faz o que o Pai lhe pediu? Ou não seria melhor se fossemos como “um terceiro filho”: aquele que diz “sim”, faz a vontade do Pai e vai mesmo para a vinha!

Mas na parábola não se fala de um terceiro filho. Pois gostaria que houvesse. Para sermos esse terceiro filho basta-nos o exemplo de Jesus. Ele diz “sim”, Ele “humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até a morte de cruz”. Por isso lembra-nos São Paulo: “Tende entre vós o mesmo sentimento que existe em Cristo Jesus.” (cf. Fl 2, 1-11)

Ser cristão é dizer “sim” ao Pai e percorrer um caminho, avançando no mesmo sentido indicado pelo Mestre, identificando-nos e configurando-nos a Ele, num verdadeiro empenho na “vinha do Senhor”, vivendo dia a dia os valores do Evangelho, seguindo esse Filho obediente do Pai nesse caminho de amor e de entrega que Ele mesmo percorreu, construindo com gestos concretos, um mundo de justiça, de bondade, de solidariedade, de perdão e de paz para todos.

Padre Assis Pereira Soares Pároco da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus.

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