Nulidade Matrimonial: entrevista exclusiva com Dom Sérgio Borges

Atualizado em 25/06/19 às 12:387 minutos de leitura602 views
O Regional Sul 3 da CNBB promoveu Arquidiocese de Porto Alegre realizou um Encontro sobre "a reforma do processo canônico para as causas de nulidade matrimonial", com o bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo, dom Sérgio de Deus Borges. O evento aconteceu  nos dias 10 e 20 de novembro na Casa de Retiro Vila Betânia, na Arquidiocese de Porto Alegre, com a presença de cerca de setenta participantes. O mesmo destinado aos bispos do Regional Sul 3, responsáveis pelos Tribunais Eclesiásticos e leigos envolvidos nos processos de nulidade. Dom Sérgio nasceu (1966) na cidade de Alfredo Wagner, morou na cidade de Londrina até 1975. De 1985 a 1987 cursou Filosofia com os Freis Capuchinhos em Ponta Grossa e os estudos Teologia no Instituto Teológico Paulo VI, em Londrina, de 1989 a 1993. Fez a faculdade de Pedagogia na Universidade Luterana do Brasil e tem especialização em gestão do ambiente escolar pela mesma Universidade. De 1997 a 2000 fez o mestrado em Direito Canônico na Pontifícia Universidade Lateranense, de Roma, e tem especialização em Direito do Matrimônio e da Família, pela Pontifícia Universidade da Santa Cruz de Roma. Está cursando o doutorado em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Católica de Buenos Aires. Aos 27 de junho de 2012 foi nomeado pelo Papa Bento XVI como bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo, em São Paulo (SP). Na ocasião, dom Sérgio de Deus concedeu entrevista exclusiva à Assessoria de Imprensa do Regional Sul 3 (RS3).   RS3: Dom Sérgio como entender os conceitos “anulação” e “declaração de nulidade”? Dom Sérgio: A anulação se refere a um ato bem feito em que as partes vão e decidem anular aquele ato. É um contrato bem feito com todos os quesitos e as duas partes vai ao cartório em comum acordo anular este ato. O ato não tem mais valor. No Sacramento do Matrimonio nós falamos da declaração de nulidade porque nós vamos declarar que aquele ato nunca foi válido. Desde o seu nascimento ele não existiu. Pode ter acontecido a celebração na igreja com bonitas fotos, mas houve algum vício, um defeito no contrato que impediu a sua validade.   RS3: A Carta Apostólica em forma de Motu Proprio do Papa busca favorecer a rapidez dos processos de nulidade. Como se dará isso? Dom Sérgio: A rapidez dos processos se dará, basicamente, em três passos: Primeiro, o Tribunal mais próximo dos fiéis. Segundo, não exigindo mais uma dupla sentença conforme. Havia a necessidade da decisão de dois Tribunais. Se a Primeira Instância decidia pela nulidade tinha que passar para a Segunda Instância confirmar a decisão. Com o Motu Proprio a segunda decisão foi instinta. Então, na primeira decisão afirmativa já se torna executiva e as pessoas podem contrair novas núpcias. O terceiro passo é torna o processo mais breve que se fará diante do bispo que também vão agilizar no desenvolvimento do processo.     RS3: O processo em si consegue chegar à verdade do coração humano das partes para dizer que não houve o sacramento? Dom Sérgio: Sim! A Igreja durante os séculos foi organizando uma estrutura jurídica. Uma estrutura processual para averiguar de fato a verdade. Não a verdade das partes, mas a verdade sobre o matrimônio. O que nos interessa saber se aquele matrimônio foi válido ou não. A partir das orientações da Igreja, da dogmática, do direito substantivo, dos princípios teológico-dogmáticos deixados por Cristo e segundo os fatos que foram apresentados. Confrontando os fatos com os princípios teológicos nós vamos chegar à verdade daquele matrimonio.   RS3: Quais são os motivos de nulidade? Dom Sérgio: Nós colocamos os motivos em três grandes grupos. Primeiro grupo é em relação à habilidade das pessoas para o casamento. O segundo é sobre alguns sentimentos que chamamos de vícios de consentimentos. A pessoa pode ser inábil para o matrimonio. Por exemplo, uma pessoa de quatorze anos é inábil para o matrimonio. Outro vício de consentimento é o alcoólatra crônico. O terceiro grupo é o defeito de forma, ou seja, se existiu conforme a forma canônica. Exemplo prático para entender o defeito de forma. Se a pessoa antes de casar na igreja, casou lá numa chácara. Também se uma pessoa qualquer assistiu o casamento e deu uma bênção e pensa que isso é casamento.   RS3: Quais são os impedimentos? Dom Sérgio: Temos doze impedimentos que tornam nulo ou inválido o matrimonio. Os principais em nossa realidade é disparidade de culto, parentesco (ser primos), a idade, consanguinidade, impedimento de ordem se a pessoa é religiosa. No conjunto são doze impedimentos, como, por exemplo, a pessoa não ser batizada, esses são alguns exemplos que cito.   RS3: Nas novas normas quais são as fases e custos do processo? Dom Sérgio: O processo continua o mesmo. A porta de entrada para declaração de nulidade continua sendo o libelo que deve ser apresentado ao juiz, no caso o vigário judicial. Ali ele vai definir o caminho que deve ser seguido. Se for um processo breve é um caminho. Se for um processo documental com impedimento de defeito de forma é outro caminho. Ou o processo ordinário. Mas em geral uma única sentença em qualquer um destes pode se declarar nulo o matrimonio. Quanto a custos muito se fala em gratuidade. Moto Proprio fala em quanto possível seja gratuito. Nós pensamos que a gratuidade seja para as pessoas carentes. As outras devem colaborar conforme a definição do critério da Conferência Episcopal do Brasil. Mas que contribua, pois depois vão casar e gatarão muito com a festa. Se gasta muito com a festa e fotos etc, mas para a Igreja reclamam e fazem corpo mole que não pode pagar e as vezes tem capacidade. Um pouco as pessoas têm que colaborar, mas temos que ver as condições de cada um.   RS3: Qual a tarefa do pároco e bispos no acompanhamento do processo? Dom Sérgio: Para os párocos e bispos o Motu Proprio vai falar sobre uma estrutura estável que deve ser criada na diocese e nas paróquias. Essa estrutura será um acompanhamento dos casais a que vem pedir orientação. Essa estrutura estável bem organizada e incluída leigos, diáconos, padres e bispos que possam orientar, de fato, as pessoas que querem saber a verdade de seu matrimonio. Então esta estrutura estável organizada, segundo a necessidade de cada diocese vai ajudar nessa averiguação.   RS3: A Igreja, por vezes, se preocupa tanto com o processo de nulidade, mas como está acontecendo à formação dos adolescentes e jovens para o casamento? E os cursos de noivos? E a Pastoral Familiar? Dom Sérgio: Essas foram as grandes questões apresentadas pelo Papa Bento XVI na Sacramentum Caritatis, que se nós queremos evitar processos temos que trabalhar na pastoral de preparação para o matrimonio. Eu acho que é um ‘calcanhar de Aquiles’ falar do matrimonio somente quando as pessoas vêm para o Encontro de Noivos quando já estão tudo resolvido. Então precisamos fazer uma preparação para o matrimonio remota, próxima com os princípios da Familiaris Consortio. O Sínodo da Família apresentou algumas ideias que podemos seguir numa pastoral pré-matrimonial efetiva. O Encontro de Noivos apresenta algumas coisas, mas as pessoas ali já tem tudo definido e não vão voltar atrás a não ser rara exceções. Fazem o encontro porque é uma exigência. Mas que estes encontros possam levar a uma formação acredito pouco nisso. Teria que ser uma preparação com mais tempo. Começar lá no início desde a catequese com as crianças. Começar na catequese, nos grupos de jovens em conjunto com outras pastorais. Trabalhar sobre a família com nosso povo. Prepara-se um rapaz ou uma moça uma religiosa/o por muitos anos para ser padre ou religiosa/o, mas para o matrimonio apenas quatro horas de encontro. Muitos casamentos são um ato social. Como evento social é a influência da secularização que o Papa Francisco fala da falta de fé como princípio das tantas situações de nulidade. Mas por si a falta de fé não torna nulo o sacramento, mas é um erro ao próprio matrimonio. Às vezes a pessoa tem uma fé muito frágil ou mal formada pode ter uma visão equivocada sobre o sacramento. Essa visão equivocada pode levar a contrair um matrimonio que não seja um matrimonio concebido segundo a visão da Igreja, mas apenas segundo a sua própria ideia de matrimonio. A Pastoral Familiar tem que ser fortalecida para evangelizar a família. Precisamos nos convencer da necessidade de uma Pastoral Familiar mais efetiva.   RS3: E os casais em segunda união o que o Motu Proprio orienta? Dom Sérgio: Quando fala da estrutura estável diz que o bispo deve acompanhar os casais recasados como pastor e criar estruturas para acompanhar esses casais.     RS3: O que o senhor ainda gostaria de dizer que não foi perguntado? Dom Sérgio: O que eu poderia ainda dizer sobre a questão atual é estudar o Motu Proprio. Que os padres, bispos e lideranças o estudem. Ele é bastante difícil e abre muitas portas. Ele visa uma Pastoral Judiciária e os Tribunais mais próximos das famílias, das pessoas. Estudar para ajudar as pessoas a não mais viver com tantas feridas. Vamos olhar com misericórdia para as pessoas que vem ao nosso encontro. Um ato de misericórdia é atender bem, acolher bem e orientar bem.     * Entrevista concedida ao jornalista Judinei Vanzeto, da Assessoria de Imprensa do Regional Sul 3 / CNBB, no dia 19 de novembro de 2015.  

Comentários (0)