O Natal e o Batismo de Cristo

Atualizado em 25/06/19 às 13:255 minutos de leitura640 views
O que hoje vou dizer é um recurso muito utilizado nas homilias, mas é completamente certo. Deixamos o Jesus, Menino, adorado pelos Magos, para vê-lo, adulto, com trinta anos e na fila a espera de ser batizado por João às margens do Jordão. Atrás ficou o cenário de Belém: a gruta, o presépio rodeado de luzes, pastores e magos, adoradores e cânticos angélicos. Esse salto de três décadas em sua biografia sempre chama a atenção. Jesus deixa as mãos calejadas da carpintaria de Nazaré e enfrenta a missão para qual Deus se encarnou. A liturgia é sabia e, obviamente, inclui no final deste ciclo do Natal, a festa do Batismo de Jesus contemplação do mistério da sua Encarnação e, ao mesmo tempo, antecipação do seu cumprimento na Páscoa da morte e ressurreição. Comentando e justificando a inclusão do batismo do Senhor, dentro do ciclo litúrgico das festas epifânicas, São Máximo de Turim (séc. V), assim se expressou: “Não é sem razão que celebramos esta festa pouco depois do dia do Natal do Senhor, já que os dois acontecimentos se verificaram na mesma época, embora com diferença de anos; julgo que também ela deve chamar-se festa do Natal. No dia do Natal, no presépio nós encontramos Cristo nascido entre os homens; hoje renasce pelos sinais sagrados; naquele dia, nasceu da Virgem; hoje é gerado pelos sinais do Céu. No Natal, ao nascer o Senhor segundo a natureza humana, Maria, sua mãe, o acaricia em seu colo; agora, ao ser gerado entre os sinais celestes, Deus, seu Pai, o envolve com sua voz dizendo: ‘Este é meu Filho amado, no qual eu pus todo o meu agrado. Escutai-o.’ (Mt 17,5) Sua mãe o traz nos braços com ternura, seu Pai lhe presta o testemunho de amor. A mãe apresenta-o aos magos para que o adorem, o Pai apresenta-o às nações para que o reverenciem.” Com a festa de hoje, portanto culminamos as festas do tempo litúrgico do Natal e iniciamos o tempo da vida pública de Jesus. Despedimos-nos do Menino do presépio e nos encontramos com um Jesus adulto. Já não é Menino aquele que reverenciavam pastores e magos. No cenário desapareceu a estrela e, os cânticos dos anjos foram substituídos por uma palavra que vem do Céu: “Tu és meu Filho”. Há um salto que, longe de produzir em nossos corações inquietação, nos chama à responsabilidade e à maturidade. Deus não nasceu para ficar entre as palhas do presépio. Deus não nasceu para ser eternamente Menino. Deus não nasceu para deixar permanentemente pendurada uma estrela no céu. Então para que Deus veio ao mundo? Para que se encarnou? Para trazer-nos seu amor, que é infinito, e para começar em Jesus uma grande obra que culminará com sua paixão, morte e ressurreição. Entre madeiras veio Jesus ao mundo, por amor e pendurado no madeiro dará Jesus, por amor, sua vida. Hoje começa a vida ativa de Jesus. Deixou de ser Menino e, tocado por Deus no Batismo, sai ao encontro da humanidade. Para iluminar-nos com sua fecunda Palavra, com a força do alto e curar-nos de mil e uma enfermidades. O evangelho de Marcos (Mc 1,7-11) nos narra com brevidade e concisão o batismo do Senhor e a manifestação de Deus Pai: “Tu és o meu Filho amado, em ti ponho meu bem-querer.” “Este é o testemunho que o Pai deu de seu unigênito ao batizar-se no Jordão. E quando Cristo se transfigurou no monte diante de seus discípulos, e sua face desprendia uma luminosidade tal que eclipsava os raios do sol, então novamente se ouviu aquela voz: ‘Este é o meu Filho, o amado, meu predileto. Escutai-o...’ Não é um o meu Filho e outro o Filho de Maria; não é um o que esteve deitado na gruta e outro o que foi adorado pelos magos; não é um o que foi batizado e outro distinto o que é isento do batismo. Mas: Este é meu Filho; o mesmo no qual a mente medita e os olhos contemplam; o mesmo invisível em si e visto por vós; sempiterno e temporal; o mesmo que, sendo-me consubstancial por sua divindade, e consubstancial a vós em tudo por sua humanidade, menos no pecado. Este é o meu mediador e o de seus irmãos, já que por si mesmo reconcilia consigo aos que pecaram. Este é o meu Filho e cordeiro, sacerdote e vitima é ao mesmo tempo, oferente e oblação, o que se converte em sacrifício e o que o recebe.” (São Gregório de Antioquia, séc. VI) O batismo do Senhor, no rio Jordão, é para nós motivo de imensa alegria, é antecipação do nosso batismo. Deus fez-se filho do homem, para que o homem se torne filho de Deus.  Crendo que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, renascemos do alto, do sacramento do Batismo, novo nascimento, que se realiza graças ao Espírito Santo no seio da Igreja. Batizados, sentimos que Deus é Pai de cada ser humano e que cada um de nós é querido por Ele e podemos assim “renascer”, tornarmo-nos aquilo que somos através da fé, do “sim” pessoal a Deus aceitando a vida como dom do Pai que está no Céu. Um Pai que não vejo, mas acredito e sinto profundamente no coração que é meu Pai e de todos os meus irmãos e irmãs em humanidade. Jesus inicia a sua vida pública, sua primeira manifestação como Deus, a sua primeira “teofania” se dá às margens do rio Jordão, depois de submeter-se ao batismo de João. A cena do Batismo de Jesus é o relato evangélico que rompe o silêncio de quase trinta anos de Nazaré. O silêncio de Nazaré, sem duvida é um silêncio que se faz palavra, palavra profética e cheia de vida. Assim como o batismo de Jesus é uma Epifania isso mesmo deve ser o nosso batismo, uma Epifania diária de Deus na vida, do que Deus é e do que Deus faz em cada um de nós cristãos batizados. O cristão batizado é alguém no qual se manifesta a Trindade Santa. Como filho do Pai vive uma verdadeira relação filial. Como redimido pelo Filho o segue e imita a sua vida e missão. Como templo do Espírito Santo vive a dimensão santificadora do seu existir cotidiano, pessoal, familiar, profissional e social. Que todos nós, nesta festa do batismo do Senhor, descubramos e aprofundemos nossa missão, abrindo-nos à Palavra com criatividade e esforço para que o Reino de Deus, longe de ser marginalizado na terra, seja apresentado como garantia da felicidade a todo ser humano.

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