Poesia e profecia

Atualizado em 25/06/19 às 13:325 minutos de leitura417 views

Poesia e profecia não se excluem ao contrário se necessitam. A capacidade de encantar-se, extasiar-se na contemplação da criação e a capacidade de indignar-se com tudo aquilo que desfigura a imagem sobrenatural da pessoa humana.

Os poetas-salmistas admiram a beleza do mundo: “Quando contemplo o céu, obra de teus dedos, a lua e as estrelas que fixaste, o que é o homem, para que te lembres dele, e o ser humano, para que dele te ocupes?” (Sl 8,4-5) Através da admiração da beleza das coisas criadas abre-se o caminho para a compreensão do significado da criação e se estimula o reconhecimento da ação de Deus no mundo. Por outro lado, a indiferença a tais belezas, manifestada por pessoas obcecadas pelo poder ou pela violência, impede a contemplação da natureza visível como também a adoração do Deus invisível.

Vivemos no mundo e no mundo Deus cuida de nós. É natural que a Deus se lhe agradeça e o mundo seja admirado como uma obra de arte, com a sensibilidade dos poetas. Os versos de um simples poeta assim expressam: “Não estudes continuamente nos livros, escuta a natureza; nos livros falam os homens, na natureza fala Deus”.

Os poetas-profetas como Isaías pode nos oferecer uma das palavras mais ternas da Sagrada Escritura, falando a um povo que se sente abandonado por Deus: “Acaso pode a mulher esquecer-se do filho pequeno, a ponto de não ter pena do fruto de seu ventre? Se ela se esquecer, eu, porém, não me esquecerei de ti.” (Is 49,15) Trata-se de um convite à confiança no amor maternal de Deus, pois cremos que o amor de uma mãe nunca esmorece, porque não é condicionado pelo sentimento de correspondência. O amor de uma mãe é uma doação irreprimível que não procura retribuição, apenas dá-se.

O amor de Deus é como o Amor de mãe: apego instintivo; ternura; cuidado; compreensão; bondade; proteção... Esta imagem do Amor utilizada pelo poeta-profeta é posta hoje na Liturgia em paralelo à igualmente poética expressão de Poeta-Jesus: “Olhai os pássaros dos céus: eles não semeiam, não colhem, nem ajuntam em armazéns. No entanto, vosso Pai que esta nos céus os alimenta... Olhai os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam. Porém, eu vos digo: nem o rei Salomão, em toda a sua glória, jamais se vestiu como um deles... Não vos preocupeis, dizendo: O que vamos comer? O que vamos beber? Como vamos nos vestir?... O vosso Pai, que está nos céus, sabe que precisais de tudo isso.” (cf. Mt 6.24-34)

A ideia do Amor Providente de Deus Jesus apoia em duas belíssimas imagens da natureza, um verdadeiro oásis espiritual no qual Jesus faz poeticamente voar aves e desabrochar lírios, mas habitado por uma humanidade angustiada, repleta de preocupações, obsessões e pesadelos. Uma humanidade obcecada pela segurança total tendo o dinheiro como garantia econômica e segurança quando deveria em lugar abandonar-se serenamente e confiantemente à providencia divina: “O vosso Pai sabe que vocês precisam de tudo isso”, Ele que alimenta as aves e veste os lírios.

A lição é clara: se Deus se preocupa com as coisas tão efêmeras e passageiras, quanto mais cuidará da vida dos seres humanos, imagem e semelhança de Deus! A verdadeira preocupação do ser humano deve ser a de não perder Deus como Senhor, de não desistir de ser seu servidor, de não quebrar sua relação com Deus e sua realização pessoal: “Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro”.

“Olhai!...” Há muitos sinais. Há luz para que possamos ver. Precisamos olhar com olhos de poeta e ver com a ternura encantadora como o artista Deus cuida de tudo com sabedoria, beleza, amor. Um olhar de Pai-Mãe da criação e da humanidade, recopilando o universo inteiro em si mesmo, referindo-se unicamente a Deus tanto a sua pessoa como as demais criaturas.

O ser humano, sobretudo os filhos e filhas de Deus, somos convidados a expressarmos na nossa vida uma total confiança no Amor Providente de Deus. De quanta beleza Ele nos revestiu. Quão atento está à nossa vida, às nossas alegrias e nossas tristezas. Nossos fios de cabelos são por Ele contados. Cada lágrima chorada não lhe passa despercebida. O nosso sofrimento não lhe é indiferente. A injustiça não o encontra desatento.

Essa confiança em Deus afastará de nós a grande preocupação com a sobrevivência, sobretudo das pessoas que não confiam precisamente em Deus em seu afã de riqueza, que lhes faz idolatrar o dinheiro que pode proporcionar prazeres, comodidades, uma boa casa, carro na garagem, roupas de marca, celular e blackberry na bolsa, e visitas periódicas aos novos templos e santuários da riqueza e do consumo: os shoppings e os bancos. Para o cristão, o trabalho e a atividade, devem ocupar uma parte considerável de nosso tempo, para abrir-nos passo a passo a termos o necessário, uma condição digna de filhos e filhas de Deus. Dito de outra maneira, o cristão tem que trabalhar com todas as suas forças e toda sua inteligência como se Deus e sua Providência não existissem, mas às vezes, o cristão tem que confiar no Pai-Mãe Deus e em seu cuidado como se tudo dependesse totalmente dele. Essa é a Providência divina.

Cristo propõe duas situações que não por serem poéticas deixam de ser práticas e realistas. A poesia nos lábios de Jesus não o distanciava da realidade: As aves do céu, que Deus alimenta, que vivem a segurança do Deus que cuida delas, todo o dia estão buscando o alimento. O Pai se encarrega que o encontrem, mas buscam, quer dizer, a seu modo trabalham de sol a sol. O certo é que realmente se alimentam e ainda me atrevo a dizer: “trabalham cantando”, porque não cessam de piar. Deus não as livra de buscar seu próprio alimento. Mas, não há preocupação estressante nelas.

Somos convidados a observar e reproduzir o comportamento das aves: trabalham sem descanso, mas vivem na confiança, a seu modo, e na alegria como o demonstra seu constante piar enquanto buscam o seu sustento.

O Mestre também fixa seu olhar na beleza dos lírios que nos extasiam com seu encanto, com seu colorido e seu perfume; com tanta beleza que nem mesmo os reis podem ter vestes tão belas e tão harmoniosas como uma só flor que fala da beleza do Criador! Esses lírios brotam sem cultivo, são belos em sua textura e são agradáveis em sua cor, pois o Pai-Mãe do Céu os mima e os cuida, ainda que seu existir seja efêmero. Sem preocupação alguma nos extasiam e faz agradável e belo nosso entorno, exprimindo assim em cores e perfume a sua gratidão.

Mas este Deus tão bom sente profunda alegria nos nossos gestos de amor, na nossa confiança, na nossa doação e serviço. Como Ele trata tão bem a criação e cada um de nós. Como espera que sejamos semelhantes a Ele, tratando bem a criação e, sobretudo os irmãos, seus filhos.

Busquemos o Reino que Cristo nos aponta, um Reino de Amor, um Reino onde olhemos as pessoas como irmãos e irmãs, que faz que todos tenham a condição de vida digna, que lhes permita vestimenta, moradia, sobretudo o pão de cada dia. Mas, sobretudo que façamos que nosso Bom Pai-Mãe seja conhecido e louvado entre todos.

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