Amar sim, vingança não

Atualizado em 25/06/19 às 13:335 minutos de leitura431 views
“Vingança, justiça e a perfeição do amor” são por assim dizer, as palavras chaves da mensagem evangélica deste Domingo. Fáceis de pronunciar, mas difíceis de praticar. Como superar a prática da vingança e acreditar na justiça divina e humana? Como chegar à forma mais radical e perfeita da vivência do amor, capaz de perdoar aos inimigos? Dentre as páginas do Evangelho, a que é proposta neste Domingo (cf. Mt 5,38-48) é sem dúvida a mais difícil de aceitar, mas também a que qualifica melhor o discípulo e discípula que decidiu seguir a nova Lei. A vingança aninhada no coração das pessoas, quando não se põe limite é capaz de acabar com os indivíduos em conflito e inclusive com famílias, populações ou nações inteiras, provocando guerras, sangue inocente derramado e inimizades que podem durar séculos. Por isso, ainda que pareça uma lei de gente bárbara, em um dos códigos mais antigos, gravado em pedra, o Código de Hamurabi, rei da Babilônia no 18º século A.C. se intenta legislar para que as pessoas não tenham que pagar penas além de suas próprias faltas e nunca de uma maneira desproporcionada. Vigorava assim a "lei do talião". A noção de "uma vida por uma vida" atingia só até aos filhos dos causadores de danos aos filhos dos ofendidos. Ainda que com suas diferenças com esse código, o Antigo Testamento fala já da lei do Talião, que se expressa desta maneira: “Cada culpado pagará vida por vida, olho por olho, dente por dente, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe”. (Ex 21, 23-25) Isto quer ser uma norma moral, um avanço na convivência não certamente fácil entre as pessoas, intimando-as a deixar os desejos de vingança desmedida, para contentar-se com um dano proporcional ao dano recebido. Diz o livro do Levítico, uma espécie de “lei da santidade”, código de normas cultuais, morais e sociais, destinadas a consolidar a consciência nacional de Israel: “não te vingarás, nem guardarás rancor contra os filhos do teu povo. Amarás o próximo como a ti mesmo”. (Lv 19,18) Essa lei do “talião”, tal como está escrita no livro do Êxodo, era considerada pelos judeus como uma lei sagrada, dada por Moisés ao seu povo, para impedir a vingança desproporcionada e indiscriminada. Em seu tempo, foi uma lei boa e necessária. Mas, Jesus pede a seus discípulos que eles vão mais além: “àquele que te fere na face direita oferece-lhe também a esquerda...” (Mt 5,39) Jesus, obriga seus discípulos a “não resistir ao homem mal”, a não devolver o mal com o mal, mas vencer o mal com o bem. Cristo nos abre uma lógica nova, desconhecida pelo menos a nível oficial no mundo antigo que praticava uma justiça fundada exclusivamente na igualdade do dar e do receber: “olho por olho...” Ele considera que temos que descartar todo desejo de vingança ou de justa compensação por um dano sofrido. Nas sociedades bem organizadas, não se admite a “justiça feita pelas próprias mãos” e não se tolera a vingança, que assistimos estarrecidos em nossa sociedade brasileira que tem o mito, o estereótipo de “não violenta”, mas que tem se revelado o contrário ao longo de toda a sua história sangrenta. Quem é agredido injustamente pode defender-se, mas não lhe é lícito superar a legítima defesa. Além do mais estamos convencidos de que uma autoridade ou instância superior tem melhores possibilidades para promover a justiça do que uma ação individual. A questão não é se a justiça deva ou não existir, mas a pergunta é quem deve fazer valer ou executar a justiça. Temos visto que a humanidade deseja dar esta função a uma autoridade superior. Os cristãos creem que existe uma autoridade suprema, o juiz divino que não deixa jamais as dívidas em suspenso, seja no bem como no mal: “É necessário que todos nós compareçamos perante o tribunal de Cristo, a fim de que cada um receba o que mereceu por tudo aquilo que fez durante a vida, quer de bem, quer de mal”. (2Cor 5,10) O povo, muitas vezes vendo que um delinquente escapou da justiça, diz: “Não temam, Deus o encontrará! A justiça dos homens ele pode enganar, mas a justiça divina, jamais”. Por isso o cristão que renuncia à vingança não tem medo de que a justiça não se fará. Esta autoridade superior, com a evolução humana, se faz cada vez mais universal. Antes, os senhores feudais tinham o poder judicial em cada cidade; hoje isso está nas mãos do Estado. E também sobre os estados se se trata de estabelecer organizações ou cortes internacionais de justiça e de garantia dos direitos humanos universais. Isto significa um progresso. Significa também um fortalecimento da justiça? Deixemos a resposta aos entendidos nesta matéria. Devemos sim, acreditar na justiça. Ainda que vivamos milhares de desilusões é necessário, contudo, começar sempre do início. “Olho por olho… o mundo acabará cego”, dizia um dos ícones da não violência Gandhi. Jesus vai mais além da letra da Lei. A atitude cristã diante daquele que nos ofende não é responder com a mesma ofensa, ou uma maior, porque gerará mais violência ainda, se não se resistir, que é uma maneira de responder com o bem ao que te faz o mal. No fundo esta quebra da espiral de violência, é um testemunho de fé, é um momento evangelizador que fará que a outra pessoa se questione sobre o que é que me move a dar a outra face e não a contestar com a mesma violência ou maior. Nossas obras, nossos comportamentos, estarão mostrando nossa fé no Deus de Jesus, que não resistiu em nenhum momento de sua Paixão e morte de Cruz. Aqui acrescentamos um novo elemento, o cristão que não se vinga, “ama os inimigos” que é muito mais do que perdoar-lhes; é fazer-lhes bem, é oferecer a outra face. É uma perspectiva nova, paradoxal, dura, partindo de um ponto de vista impensável: amar os inimigos porque Deus os ama e é deste modo que os filhos e filhas de Deus imitam a sua paternidade: “Deveis ser perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito”. (Mt 5, 48) Jesus não quer dizer que a perfeição dos discípulos tenha que ser igual à perfeição de Deus, algo impossível. A perfeição à qual devem aspirar os discípulos será sempre uma perfeição humana, enquanto que a perfeição de Deus sempre será perfeição divina. A perfeição humana será, pois, amar com um amor universal, a todos como irmãos, tendo, isso sim, como modelo de nossa perfeição a perfeição do amor é da misericórdia divina. Aspiremos, pois, sempre a ser perfeitos, quer dizer, a ser o melhor que possamos ser, dentro de nossas limitações e fragilidades humanas e para conseguir isto, nós, os cristãos, devemos ter sempre como modelo a Jesus. Porque por nossas próprias forças isto não o poderíamos conseguir nunca, mas se podemos segui-lo com a graça de Deus: Deus sempre está disposto a ajudar-nos com sua graça.

Comentários (0)