A luz da fé

Atualizado em 25/06/19 às 13:346 minutos de leitura391 views
Há 40 dias celebrávamos o Natal do Senhor e hoje a sua luz volta a ser posta em relevo. Estamos na Liturgia em um “entretempo”, no “final popular dos dias do Natal”, já que oficialmente o final litúrgico se celebrou com o Batismo do Senhor e antes de iniciar a Quaresma, outros 40 dias antes da Páscoa da Ressurreição. Com a bênção e procissão da luz hoje já preparamos a outra luz, a da ressurreição, o círio pascal. Hoje é a “festa do encontro”, celebrada desde cedo pela Igreja e que se estendeu pelo mundo como a “festa da luz”, popularmente chamada festa das velas ou “candelária”. Com isto se queria expressar com um sinal visível a fé em Cristo “luz das nações”. Hoje chega ao Templo nos braços da Virgem o verdadeiro Sol, “cujos raios dão vida do mundo”, na expressão de Clemente de Alexandria (150 - cerca de 215). Esta chegada não é como a profetizou Malaquias (cf. Ml 3,1-14) e Israel vivia na expectativa desse dia tremendo em que o Senhor entraria no templo, aterrorizando a todos, em toda a sua glória e majestade, limpando a humanidade e o mundo: “Ele é como o fogo da forja e como a barrela dos lavadeiros...” (v.3) Ao contrário entra no templo um Menino, frágil e indefeso, filho de uns aldeãos, como um de nós. Na Carta aos Hebreus (cf. Hb 2,14-18) Jesus é o Filho de Deus, em tudo igual a nós, menos no pecado. Oferece-nos a salvação, pois possui um sacerdócio eterno que nada tem que ver com o sacerdócio da Antiga Aliança. É compassivo, “pois, tendo ele próprio sofrido é capaz de socorrer os que agora sofrem.” (v. 18) São Lucas (cf. Lc 2,22-40) narra no episódio da “apresentação do Menino Jesus ao templo”, como os pais de Jesus cumprem o que marcava a lei judaica: todos os primogênitos, tanto dos homens quanto dos animais, seriam oferecidos ao Senhor (cf. Ex 13,1-16). No entanto, como as crianças não podiam ser sacrificadas era preciso ser resgatadas: por isso os pais levam aos sacerdotes do templo, um animal puro para que fosse imolado no lugar do filho primogênito. 40 dias depois de seu nascimento, Jesus é consagrado ao Senhor e para “resgatá-lo”, José e Maria oferecem por seu Filho, o que prescrevia a Lei, a oferenda dos pobres: “um par de rolinhas ou dois pombinhos.”(v.24) No templo se dá na ocasião o encontro de Simeão e Ana com o Menino Jesus; duas pessoas simples que não são sacerdotes, nem gente relevante, são apenas um homem e uma mulher, piedosos e totalmente abertos à ação de Deus. Esse encontro é símbolo de uma realidade muito maior; o encontro da humanidade com Deus, “luz das nações”(v.32). Simeão e Ana representam o povo de Israel e a sua longa espera da vinda do Senhor, o Messias que viria salvá-los e iluminar-lhes o caminho. Neste rico simbolismo do encontro entre o Antigo e o Novo Testamento, Simeão e Ana representam a fé dos antigos pais e mães da fé e dos profetas que haviam vivido com a esperança do Messias, e assim estas duas personagens nos fazem pensar na longa sucessão de nossos antepassados, através dos quais a luz de Deus chegou até nós. Nossos pais, avós e os pais dos avós. Sem eles ou talvez, não por linha direta, mas por outros ramos da família passou até nós a luz, a chama da fé a nossas mãos e sem esse testemunho jamais seríamos nós cristãos. Na Carta Encíclica sobre a fé “Lumen Fidei” do Papa Francisco, ele fala que a fé transmite-se primeiramente pelo Batismo, mas também “a fé transmite-se por assim dizer sob a forma de contato, de pessoa a pessoa, como uma chama se acende noutra chama. [...] A transmissão da fé, que brilha para as pessoas de todos os lugares, passa também através do eixo tempo, de geração em geração. Dado que a fé nasce de um encontro que acontece na história e ilumina o nosso caminho no tempo, esta deve ser transmitida ao longo dos séculos. É através de uma cadeia ininterrupta de testemunhos que nos chega o rosto de Jesus. [...] A pessoa vive sempre em relação e é impossível crer sozinhos. A fé não é uma opção individual que se realiza na interioridade do crente, não é uma relação isolada entre o ‘eu’ do fiel e o ‘Tu’ divino, mas por natureza, abre-se ao ‘nós’. Porque a pessoa vive sempre em relação: provém de outros, pertence a outros, a sua vida torna-se maior no encontro com os outros; o próprio conhecimento e consciência de nós mesmos são do tipo relacional estão ligados a outros que nos precederam, a começar pelos nossos pais que nos deram a vida e o nome. A própria linguagem, as palavras com que reinterpretamos a nossa vida e a realidade inteira chega-nos através dos outros, conservados na memória viva de outros; o conhecimento de nós mesmos só é possível quando participamos de uma memória mais ampla. O mesmo acontece com a fé. Chega até nós na memória de outros, das testemunhas, guardado vivo naquele sujeito único de memória que é a Igreja; esta é a Mãe que nos ensina a falar a linguagem da fé”. (LF. 38-39) Portanto, a transmissão da fé é sempre uma tarefa da comunidade cristã. A piedade popular reconheceu esta vocação, na procissão desta festa da luz, quando os fieis portam velas acesas, a Luz em suas mãos como expressão do desejo de comunicar sua a fé aos outros. Talvez seja a luz o elemento físico que mais nos ajuda a compreender Deus. A expressão luz da fé é da tradição da Igreja para designar o grande dom trazido por Jesus. A fé enquanto encontro com o Deus vivo que se manifestou em Cristo é luz: “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida.” (Jo 8,12) Cristo e o seu Evangelho são luz, e esta necessariamente há de iluminar a existência daquele que crê sinceramente; e não só a sua existência, mas também a dos outros: “Vós sois luz do mundo.” (Mt 5,14) O cristão é luz, e o mundo necessita dessa luz. A fé é a lâmpada acesa desde o nosso batismo, para iluminar toda a nossa vida; critérios, valores e conduta devem estar conformes com essa luz de Cristo que nos iluminou. Luz que nos foi dada não para guardar no baú das recordações, mas para que ilumine os outros. Ante a realidade devemos ser os olhos de Jesus e ver com profundidade o quanto Deus ama este mundo. “A fé não só olha para Jesus, mas olha também a partir da perspectiva de Jesus e com os seus olhos: é uma participação no seu modo de ver. Em muitos âmbitos da vida, fiamo-nos de outras pessoas que conhecem as coias melhor do que nós: temos confiança no arquiteto que construiu a nossa casa, no farmacêutico que nos fornece o remédio para a cura, no advogado que nos defende no tribunal. Precisamos também de alguém que seja fiável e perito nas coisas de Deus; Jesus, seu Filho, apresenta-se como Aquele que nos explica Deus. (cf. Jo 1,18)” (LF 18) Ter o olhar de Jesus, os olhos de Jesus capazes de ter compaixão da multidão abandonada, sorrir para as crianças, mostrar amor ao jovem, perdoar a adúltera, chorar com Marta e Maria ali em Betânia… Nós temos que passar a chama da fé de mão em mão, de geração em geração, nós temos que ser a luz da casa ou dos ambientes em que nos movemos. Luz que se põe no alto e não escondida. O que fizemos da nossa luz? O que aconteceu com aquela vela acesa em nosso batismo? Examinemo-nos se por medo ou covardia, oportunismo ou conveniência, andamos ocultando a luz da fé em Cristo, pois ante essa luz nada pode ficar indiferente. Jesus é a luz que põe cada coisa em seu lugar, em sua verdadeira realidade e por isso as trevas não a receberam.

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