A coragem de correr risco
Atualizado em 25/06/19 às 13:365 minutos de leitura353 views
Era comum, nos tempos de Jesus um rico senhor ser dono de terras na Palestina e nos países vizinhos. A notícia da viagem de um desses ricos negociantes pode ter servido de cenário para que Jesus pudesse introduzir para seus discípulos um ensinamento sobre o dinamismo do seu seguimento na chamada “parábola dos talentos” (cf. Mt 25,14-30).
Um homem que ia ausentar-se chamou os seus empregados e encarregou-os dos seus bens. Deu a um cinco talentos, a outro dois e a outro um, a cada um segundo a sua capacidade e partiu imediatamente. Passado algum tempo, o senhor voltou da sua viagem e pediu contas aos seus servidores. Os que tinham recebido cinco e dois talentos puderam devolver o dobro. Haviam aproveitado o tempo para fazer render os bens recebidos e tiveram a grande felicidade de ver a alegria do seu senhor; fizeram-se merecedores de um elogio e de um prêmio inesperado: “Muito bem, servo bom e fiel! Sobre o pouco foste fiel, sobre o muito te colocarei. Vem alegrar-te com o teu senhor!” (vv. 21.23) Mas o que recebera um talento, por medo enterrou-o e ao devolver o talento, foi tratado como: “Servo mau e preguiçoso” (v. 26).
Podemos por um lado interpretar esta parábola em relação à Igreja. A riqueza entregue aos servos pode ser tudo aquilo que Jesus deixou para a sua Igreja: o Evangelho, a sua mensagem de salvação, o Batismo, a Eucaristia e todos os sacramentos, o poder de curar, o seu amor pelos pobres etc. Estes “talentos”,, portanto, corresponderiam aos vários ministérios que são desenvolvidos nas nossas comunidades. A comunidade cristã organiza a sua vida, cresce, se desenvolve, produz uma profunda transformação no mundo, enquanto o seu Senhor não está visivelmente presente. Ele deixou este mundo e voltou ao Pai. Agora cabe aos seus discípulos trabalharem para que tudo o que Ele lhes confiou produza frutos.
Mas, por outro lado esta parábola também trata de temas importantes e atuais. Vivemos num mundo dominado de forma mais ou menos consciente pela economia. Não chegamos a conhecer em profundidade seus mecanismos, mas sofremos as consequências da subida dos preços dos produtos, da inflação e da elevação dos juros. Tudo em nossa sociedade gira em produzir, investir, administrar capitais, especulação, trabalho, crédito ou divida. Até umas vezes o trabalho traduzimos em horas e em reais conseguidos e até as relações na vida familiar se organizam conforme os pressupostos de saldos e dívidas pendentes.
Como contraste a esta economia do mercado a parábola dos talentos nos fala do final dos tempos, de um ajuste de contas com o Senhor e dos critérios que no mais profundo de nossa consciência temos que assumir para uma melhor rentabilidade neste acerto de contas. Utilizam-se as mesmas palavras: dons, talentos, valores, tempo, qualidades que temos que administrar fielmente, a partir do quanto se nos foi entregue no inicio de nossas vidas. Os cristãos são como servos aos quais, seu Mestre, Jesus confia a tarefa de fazer frutificar seus dons para o desenvolvimento do seu Reino e que devem prestar-lhe contas da gestão que fizerem.
Na parábola dos talentos como em nossa vida, não há diferença entre aquele que recebe mais e aquele que recebe menos talentos: “A cada um de acordo com a sua capacidade” (v. 15). O importante é que nenhum deles permaneça ocioso, mas que se ponha inteiramente a serviço de Deus, da Igreja ou dos irmãos. O que importa é que o dom se ponha a serviço e que faça crescer o Reino. Cada um consoante com suas próprias capacidades deve desenvolver, dentro da comunidade, um ministério, deve empenhar-se em prol dos irmãos. Nenhum tesouro de Cristo deve permanecer inutilizado.
Os primeiros dois empregados da parábola não pedem nada, não buscam seu próprio interesse ou bem estar, não guardam os talentos para si, não calculam, não medem. Com a maior naturalidade e gratuidade, quase sem dar-se conta começam a trabalhar e o dom recebido frutifica para Deus e para o Reino. No entanto, o terceiro empregado tem medo e por isso não faz nada. Segundo as normas da Lei antiga, de Israel ele age do modo correto, mantém-se nas exigências estabelecidas. Não perde nada, porém, tampouco ganha nada. Por isso perde até o que tinha: “Tirai-lhe o talento que tem e dai-o àquele que tem dez...” (vv. 28-29).
O Reino de Deus é coragem de correr risco, quem não quer arriscar-se, perde o Reino! Os que com medo dobram-se sobre si mesmos envelhecem e entram em decadência. E chegam até a desaparecer... lembremo-nos: somente quem não se arrisca será condenado.
O inimigo que se tem que vencer, portanto é a preguiça, moleza, ou a omissão; essa espécie de sono que anestesia as melhores qualidades do coração e nos abate em uma vida estéril.
O inimigo que temos que vencer é também o medo que nos faz esconder o talento para não arriscar um fracasso: “Amedrontado, fui enterrar o teu talento no chão” (vv. 24-25).
O cristão não pode acovardar-se diante do mundo e da vida, porque seu exercício é o amor; porque sua vida passou das trevas à luz; ele é filho da luz vive no amor e o amor é doação, é coragem, é entrega sincera de si, sem limites.
Nada é mais triste que viver só para si. Nada é mais infeliz nesta vida pondo em risco sua própria salvação eterna que o subjetivismo individualista que nos retrai a nosso próprio mundo e nos faz ver só nossos interesses. Nada é mais triste que tomar o talento que está destinado para dar frutos e enterrá-lo no próprio egoísmo. Ninguém é mais triste e infeliz nesta vida que o egoísta e põe em risco sua salvação eterna: “servo mal e preguiçoso” o chama o senhor.
A parábola dos talentos nos recorda que temos imensos tesouros não só a tutelar, mas a investir, correndo todos os riscos para aumentá-los, a trabalhar com eles, a transformá-los. Cabe a nós administrá-los bem, pois deles não somos proprietários, devemos sim, colocá-los a serviço de todos. “Cada um viva de acordo com a graça recebida e coloquem-se a serviço dos outros, como bons administradores das muitas formas da graça que Deus concedeu a vocês”. (1Pd 4,10)