Vicariato para Educação, Cultura e Universidades disponibiliza artigo sobre a vida de Santa Edith Stein

Atualizado em 07/07/20 às 16:1810 minutos de leitura490 views

Edith Stein: a filósofa que encontrou na Cruz, sua Verdade - vita brevis, via crucis -[1]

Prof. Alan Dionizio Carneiro[2]

 

Se pudéssemos resumir as páginas da vida de (Santa) Edith Stein em sua integridade, caminho e verdade, penso que ela se satisfaria com os versos paulinos: “Hoje vemos como por um espelho, confusamente; mas então veremos face a face. Hoje conheço em parte; mas então conhecerei totalmente, como eu sou conhecido.” (1 Cor 13,12).

A vida de Edith Stein é marcada por sua incessante busca e encontro com a Verdade. É este amor à Verdade que distingue sua elevação à santidade. Tornou-se tão atual e próxima dos peregrinos da verdade que é tratada por nomes diversos: Santa Benedita da Cruz, Santa Edith Stein ou simplesmente Edith Stein. Por vezes, olvida-se seu título de santidade ou sua vida religiosa em detrimento de sua atuação como pensadora livre e filósofa.

1. Da sua Origem

Ela nasceu sobre a estrela de Davi, judia, em 12 de outubro de 1891, na cidade de Breslau (Alemanha). Essa data era marcada também por ser a festividade Yom Kippur, celebração do perdão e da reconciliação judaica. Caçula dentre 7 irmãos, filha de pais tradicionais judeus, comerciantes, torna-se logo o “xodó” da mãe. Seu pai falece quando ela tinha 1 ano e 9 meses, tendo sua mãe a firmeza de conduzir a empresa da família.

Ainda na sua infância, seu interesse por literatura e por outros idiomas, sua inteligência e personalidade determinada encantam sua mãe e fazem de Edith Stein uma criança por vezes reclusa em seus próprios estudos. Aos 14 anos, decide deixar a escola, insatisfeita com o ensino oferecido. Mas após passar alguns meses com sua irmã Else em Hamburgo, resolve voltar e concluir seus estudos equivalentes ao Ensino Médio. O diretor da Escola se referia a Edith do seguinte modo: “Bata na pedra (stein) e dela sairá sabedoria.”.

2. Do mundo da Razão ou da Universidade

Em 1911, Edith Stein começa os estudos na Universidade de Breslau. Inicialmente, ela está interessada pela Psicologia, entretanto, após ser apresentada à obra “Investigações lógicas” de Edmund Husserl, muda seu interesse e passa a se dedicar à Filosofia, considerando que a Psicologia ainda não possuía fundamentos sólidos. Husserl foi um dos pensadores mais influentes do século XX, responsável pela corrente filosófica da fenomenologia que procurava conhecer o sentido das coisas a partir do modo como elas nos são dadas imediatamente à consciência.

Encantada com as ideias de Husserl, em 1913 ela muda-se para Göttingen, onde ele lecionava sobre a “Fenomenologia”. No centro do círculo fenomenológico, Edith convive num ambiente estimulante e fecundo no qual aprende a considerar tudo sem preconceitos. Nesse período passa a ter contato e aulas com outro renomado filósofo, Max Scheler, de quem aprende a compreender a fé enquanto fenômeno e uma vivência autêntica da pessoa.

Enquanto universitária, foi bastante engajada politicamente, participando de grupos estudantis e em prol da democracia e do direito das mulheres ao voto. No ano de 1915, em busca de uma carreira acadêmica e de aprofundar seus estudos sobre a fenomenologia, Edith conclui os estudos de licenciatura para ingressar no doutorado. Todavia, o início da Primeira Guerra Mundial interrompe o curso de seus sonhos. Mesmo assim, Edith não fica alheia aos problemas da guerra, nem se isola do mundo.

Destemida, corajosa, Edith ingressa no serviço militar, viaja para Breslau, faz um breve curso de Enfermagem e chega a atuar na Cruz Vermelha como auxiliar de Enfermagem de abril a agosto de 1915. Em seguida, procura voltar a dedicar-se a suas pesquisas acadêmicas.

Nesse período da Guerra (1916), Husserl muda para Friburgo e Edith segue seu professor e orientador. Em agosto de 1916, teve aprovada com a máxima deferência sua Tese de Doutoramento intitulada “O problema da empatia: seu desenvolvimento histórico e em consideração fenomenológica”, e depois permanece como assistente de Husserl até 1918, mesmo que numa condição de inferioridade, pois Husserl considerava que as mulheres não deveriam seguir a carreira da docência universitária.

Enquanto era sua assistente, traduziu algumas de suas obras e conheceu outro grande filósofo, Martin Heidegger, chegando, inclusive, a ler sua obra magna, “Ser e Tempo”, assim que foi publicada em 1927. No entanto, só pôde dedicar-se ao seu estudo posteriormente, pois nesse ano ela se voltava para sua vida religiosa.

Em 12 de novembro de 1918, por sua preocupação com a política e o crescimento dos regimes totalitários, ela se filia ao Partido Democrático Alemão.

3. O caminho da Fé com a Razão

No ano de 1917, a morte de seu ex-professor de filosofia por quem Edith tinha bastante apreço e também pertencente a escola da fenomenologia, o Prof. Adolf Renach assim como a fé de sua esposa Anne naquele momento são duas circunstâncias que comovem Edith.

Mas é apenas após a leitura e o encontro com os escritos de Santa Teresa de Jesus (1921), que Edith se decide pelo catolicismo, empenha-se no estudo do catecismo e de um missal a fim de compreender a doutrina e a liturgia católicas, sendo batizada em 1º de janeiro de 1922. Convicta de sua decisão livre, quiçá numa visão ecumênica da fé, toma por madrinha Hedwig Conrad-Martius, uma amiga filósofa protestante.

Em razão de sua experiência acadêmica, Edith é designada como professora das dominicanas, no Instituto de Santa Magdalena na cidade de Espira, tempo de amadurecimento de sua fé. Nessa oportunidade ela tem contato com a obra “As questões disputadas sobre a Verdade” de Santo Tomás de Aquino. Esse texto é responsável pelo retorno de Edith às pesquisas filosóficas e por uma renovação de sua visão de mundo.

Em 1931, então, Edith desenvolve seu trabalho intitulado “Ato e Potência” a partir da filosofia de Santo Tomás de Aquino, pelo qual alcança uma cátedra universitária, tornando-se, no ano seguinte, professora de Pedagogia e Antropologia em Münster. Em 1933, infelizmente, em virtude de uma lei que proibia as pessoas de origem judia de ocuparem cargos públicos, ela deixa de lecionar, de proferir conferências e palestras. Chega, inclusive, a redigir uma carta ao Papa Pio XI, pedindo-lhe que escrevesse uma encíclica condenando a perseguição aos judeus na Alemanha.

Estas situações fazem com que ela se volte exclusivamente para sua vida religiosa. Sentindo-se chamada à espiritualidade carmelita interna-se no Carmelo na cidade de Colônia (Alemanha), adotando o nome - como era comum - de Benedita da Cruz. Após a profissão de seus votos, em 1935, ela é incentivada a retomar os trabalhos para publicação de seu texto “Ato e potência”. Edith, então, percebe a necessidade de ampliar seus estudos e aperfeiçoar suas ideias, de modo que, desse movimento surge uma nova obra, “Ser finito e Ser eterno” (1936), na qual ela elabora sua própria visão filosófica, indo além de seus mestres Santo Tomás de Aquino e Edmund Husserl.

Com esta obra, Edith Stein promove a abertura de diálogo entre fé e cultura, o resgate da originalidade do pensamento escolástico de Santo Tomás de Aquino e sua aproximação com o racionalismo e a filosofia fenomenológica de sua época. Com efeito, também mostrou como seria imprudente menosprezar a tradição filosófica medieval, bem como seria imaturo deixar de considerar à importância da teologia para a filosofia e as demais ciências humanas. Lembra-nos Edith Stein em seus textos que, para filósofos como S. Tomás e Husserl, a filosofia e a teologia nunca foram apenas elementos teóricos do pensar, mas fazem parte da existência e da vivência do ser. Um caminho que ela mesma procurou trilhar.

Vale ressaltar que, mesmo no Carmelo, Edith Stein recebera concessões para continuar com seus estudos, proferir palestras e manter diálogo com outros pensadores que, até mesmo a visitavam comumente como, por exemplo, Max Scheler, Martin Heidegger e Romano Guardini. Além disso, manteve ainda amizade com muitos outros pensadores, tais como Jacques Maritain, Dietrich von Hildebrand, Kaufmann e Ingarden.

Após a edição de “Ser finito e ser eterno”, Edith se dedicará a publicações sobre a mística e espiritualidade do Carmelo, sendo “A Ciência da Cruz” seu último e talvez o mais aguardado trabalho. Esse texto tem relação com a obra de São João da Cruz, seu outro grande mestre, no qual seu nome de fé foi inspirado. Ela trabalhou incansavelmente na tentativa de concluir este trabalho, mas a violência do Mal, isto é, o ódio nazista a alcançaria, antes que pudesse realizar tal feito. “A Ciência da Cruz” permaneceria então, uma obra inacabada, sinal talvez de que esse conhecimento, por um lado, será sempre imperfeito. Ainda que, por outro lado, o conhecimento da Cruz deva estar unido ao conhecimento de si mesmo e ao desejo de união íntima com a Cruz de Cristo; ou seja, na perfeita união amorosa com Deus.

Com o avanço do regime nazista e o aumento da perseguição aos judeus, em 1938 Edith se transfere para um Carmelo na Holanda, em busca de refúgio, permanecendo ali até o ano de 1942. Com este ato, também visava proteger suas irmãs do Carmelo de Colônia.

Vale destacar as palavras de Frei Patrício Sciadini (2014, p.4), sobre esse evento: “Para ela a opção por Cristo e pelo Carmelo não são fugas, mas um encontro consigo mesma e com seu ideal. Soube dizer não à proposta de fugir do nazismo para um país qualquer na América Latina e viver no anonimato, pois não era mulher capaz de se esconder debaixo do anonimato, queria agir à luz do dia. Ela não admitia que uma pessoa pudesse recorrer ao subterfúgio para evitar o sofrimento. [...]. Dessa forma, a solidariedade em Edith Stein faz-se teologia e caridade.”.

Nesse ano, apesar de estar registrada como católica judia, ela é presa juntamente com sua irmã Rosa Stein - em razão de sua ascendência judaica - e conduzida ao campo de concentração de Auschiwitz, na Polônia. Ali é assassinada na câmara de gás com ácido cianídrico, aos 51 anos. Antes, ao ser presa pela SS, com atitude calma e inabalável oposição ao sistema nazista, dirige a sua irmã as palavras que revelariam o destino de ambas: “Vem, voltemos ao nosso povo.”.

4. Da beatificação e canonização de Edith

O processo de canonização de Edith Stein se inicia em 1962, durante o pontificado de João XXIII. A coragem e o martírio de Edith Stein fazem de sua morte, então, um símbolo do Cristo Crucificado ao povo que sofreu com o ódio da guerra como assegurou o Papa (polonês) João Paulo II por ocasião de sua beatificação em 1987, na cidade de Colônia, lugar de seu primeiro Carmelo: “Uma filha de Israel, que durante as perseguições dos nazistas permaneceu unida na fé e no amor ao Senhor Crucificado, Jesus cristo, como católica, e ao seu povo, como judia.” (STEIN, 2019, p. XVI).

A origem judaica de Edith Stein persistiu como alvo de embates durante seu processo de canonização. A comunidade judaica considerou desrespeito aos judeus mortos em razão do ódio. Essa querela ainda foi ampliada com a fundação de um Carmelo, em 1984, num teatro, próximo aos muros de Auschwitz. Numa época em que havia um debate político que procurava diminuir a proporção do genocídio ocorrido na Polônia e que também alcançou pessoas não-judias como São Maximiliano Kölbe. O caso tomou proporções internacionais e inclusive contribuiu para a memória dos acontecimentos de Auschwitz. Após longas disputas, o Carmelo é transferido para outro local mais distante em 1993.

“Edith Stein foi canonizada pelo próprio papa João Paulo II, em 11 de outubro de 1998, na Basílica de S. Pedro, no Vaticano, como uma escritora católica, nascida no judaísmo, monja, mártir e beata, Teresa Benedita da Cruz, da Ordem dos Carmelitas Descalços. Posteriormente, foi proclamada pela própria Igreja como copadroeira da Europa no dia 1º de outubro de 1999.” (STEIN, 2019, p.XVI).

Obviamente, Edith Stein não sabia os rumos de sua história, se seria grande ou pequena. Seu caminho, sua vida e sua pessoa se constituíram apenas por três princípios: Verdade, Amor e Cruz. Assim diz Frei Patrício: “A única coisa que pode salvar o mundo, escreve [Edith Stein], é a paixão de Jesus: ‘Sabemos que Deus nos conduz, mas não sabemos para onde nos conduz” (SCIADINI, 2001, p.74).

Inscrita definitivamente no céu, Santa Edith Stein tem na Cruz a sua mais autêntica Verdade. Uma santa, filósofa (que também legou escritos teológicos), deixou-nos, por seu modo de ser, lições atuais para a fé e para o mundo contemporâneo, para cristãos e não-cristãos: nunca conformar-se com as injustiças; vencer os preconceitos, viver a verdade; não ser indiferente ao sofrimento; lutar pela Paz; aprender a distanciar-se e a denunciar posições políticas e ideológicas extremistas e totalitárias; conciliar a fé e a razão na busca da Verdade, pois assim como esta é una, o homem precisa estar integrado em si mesmo. Assim, ela foi capaz de conciliar tradições culturais no modo de pensar e indicar novas formas de vida.

Santa Edith Stein vem sendo redescoberta cada vez mais no cenário brasileiro. Suas ideias tem tido grande repercussão nas ciências humanas, especialmente na filosofia, educação e psicologia. Noutro momento, face à sua admirável e extensa vita brevis aqui exposta nos dedicaremos à apresentação do pensamento desta grande intelectual alemã.

  Referências: BLESSMAN, Joaquim. O Holocausto, PIO XII e os aliados. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. SCIADINI, Patrício. Prefácio à segunda edição brasileira. In.: STEIN, Edith. A ciência da cruz. São Paulo: Loyola, 2014. SCIADINI, Patrício. Uma hora com os místicos do Carmelo. São Paulo: Loyola, 2001. STEIN, Edith. A ciência da cruz. São Paulo: Loyola, 2014. STEIN, Edith. El problema de la empatía. Madrid (ES): Trotta, 2004. STEIN, Edith. Ser finito e ser eterno. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2019. STEIN, Edith. Teu coração deseja mais: reflexões e orações. Petrópolis (RJ): Vozes, 2012. STEIN, Edith. Textos sobre Husserl e Tomás de Aquino. São Paulo: Paulus, 2019. [1] Texto revisado pelo amigo escritor e teólogo Francivaldo da S. Sousa (Vavá), da Comunidade Remidos do Senhor. [2] Professor de Enfermagem do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da UFCG. Doutor em Filosofia pelo PPDFIL/UFPB.

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