Deus ou o dinheiro
Atualizado em 21/09/19 às 23:155 minutos de leitura780 views
O Evangelho de São Lucas nos apresenta mais uma parábola, a do administrador infiel e corrupto (cf. Lc 16,1-13). Riqueza e pobreza nas páginas de Lucas revestem-se de grande importância, pela didática e pelo valor muitas vezes em contraste com o Evangelho. Se a pobreza é uma das condições fundamentais para acolher a salvação de Deus, a riqueza não colocada a serviço do Reino constitui um obstáculo intransponível no caminho da conversão e do seguimento de Jesus.
Somos meros administradores e quando se administra algo não se pode pensar só em si mesmo, porque então age-se como dono e senhor e isso não o somos. Como somos apenas administradores, um dia teremos de prestar contas de nossa atuação. E um bom administrador não é como o da parábola do evangelho de hoje, que queria aproveitar-se de seus clientes para enriquecer-se, mas ao final se sai mal e tem de corrigir-se, procura que aquilo que administra não sirva de proveito só para si mesmo, mas que seja para todos, especialmente para aqueles que menos têm, os mais pobres.
Sem dúvida nenhuma, a advertência de Jesus sobre o perigo do dinheiro e das riquezas nos atinge a todos, porque todos nos importamos com o dinheiro. Poém existe o perigo de desviar a advertência de Jesus exclusivamente para os ricos de fato, reduzindo o campo de uma mensagem que é para todos, pois o dinheiro é um deus que tem altar em quase todos os corações. Ora, o ídolo dinheiro cria incompatibilidade evangélica com o Senhor Deus. É o dilema que Jesus nos coloca hoje: Deus ou o dinheiro. Temos de optar.
Jesus nos leva a refletir sobre dois estilos de vida opostos entre si: o mundano e o evangélico. O espírito do mundo não é o espírito de Jesus. Temos que nos afastar do espírito e dos pseudo valores do mundo. A mundanidade manifesta-se com atitudes de corrupção, de engano e de opressão, constituindo um caminho equivocado. Ao contrário o espírito do Evangelho exige um estilo de vida sério e exigente, sem deixar de ser alegre, caracterizado pela honestidade, pela justiça, pelo respeito dos outros e da sua dignidade.
Estou tratando de servir a Deus, ao dinheiro ou aos meus caprichos e vaidades, sobretudo quando no Brasil temos milhões de pessoas vivendo em condições sub-humanas de pobreza extrema? Podemos ler essa realidade de pobreza como o fez no século VIII a.C. o profeta Amós (cf. Am 8,4-7), profeta das causas sociais.
Amós em seu tempo, denuncia alguns dos seus concidadãos que enriqueceram roubando e explorando os pobres: “comprando com dinheiro o pobre e o indigente por um par de sandálias” (v.6), quer dizer, para que alguém enriqueça, outro tem que empobrecer-se. Ele critica severamente aqueles que maltratam os irmãos, que olham a vida com olhos oportunistas para tirar proveito da situação adversa em que está a pessoa carente exatamente por causa de sua ambição e ganância por dinheiro, que utiliza meios fraudulentos para aumentar o seu patrimônio. São as velhas caras da corrupção tão atuais em nosso tempo.
O perigo está em ver isso como normal o que acaba sendo para muitos uma obsessão por dinheiro, que gera injustiça social; injustiça que padece principalmente os marginalizados de nossa sociedade, os pobres, os fracos. Destes é de quem fala o profeta Amós, recordando que Deus não despreza o grito dos pobres, nem esquece as injustiças cometidas contra eles: “o Senhor jurou pelo orgulho de Jacó. Não esquecerei jamais nenhuma de suas ações.”(v.7)
A riqueza sempre será injusta enquanto houver pobres em nosso mundo. Todo acumulo de bens e riquezas é injusto, não só porque aquele que os possui os adquiriu mal, mas ainda, de maneira geral, porque na origem de quase todas as fortunas há alguma desonestidade. A forma como a riqueza foi amealhada, em muitos casos é fruto da injusta acumulação, por meio da exploração ou da corrupção.
São Basílio (séc. IV d.C.) na sua pregação era severo, sobretudo, em relação aos ricos e chega a afirmar: “Por acaso não és tu um ladrão quando consideras como tuas as riquezas deste mundo, riquezas que te foram confiadas só para que tu as administrasse?... Ao faminto pertence o pão que conservas; ao homem nu, o manto que manténs guardado; ao descalço, os sapatos que estão se estragando em tua casa; ao necessitado, o dinheiro que escondeste. Cometes assim tantas injustiças quantos são aqueles a quem poderias dar”. O que este santo padre da Igreja prega, referindo-se a casos particulares, agora pode ser estendido a nações, poderosos grupos econômicos, grandes empresas que controlam toda a riqueza. Também é claro em nosso tempo, que por trás dos administradores da coisa pública há corrupção, desvio e apropriação indébita de recursos públicos. Não é servir a Deus explorar aos outros para ter cada vez mais dinheiro. E como nem vocês, nem eu, estamos metidos nesse mundo... é-nos muito fácil estar de acordo com o Senhor.
O Papa Francisco diz que: “alguns comportam-se com a corrupção como com a droga: pensa que a pode usar e abandonar quando quiser. Começa-se com pouco: uma gorjeta aqui, um suborno ali... E entre esta e aquela, lentamente, perde-se a própria liberdade. Também a corrupção produz dependência, gerando pobreza, exploração e sofrimento. E quantas vitimas existem no mundo de hoje! Quantas vitimas desta corrupção difundida!”
Por isso não se pode servir a dois senhores, a Deus e ao dinheiro. Porque ambos os serviços se regem por lógicas diferentes e opostas, são caminhos distintos e contraditórios. Porque Deus se rege pela lógica do amor, da justiça, da fraternidade e da generosidade. E o dinheiro se rege pela lógica do possuir, do ter mais e mais, do acumular em proveito próprio e da competição do “eu mais que tu”. Mas, também se pode servir a Deus com nosso dinheiro, isso é muito diferente.
Quando nos fazemos “servidores” do dinheiro, não nos importa mais o outro, e nos fazemos idólatras, porque convertemos em “deus” algo que não o é e pomos toda nossa confiança nesse “deus”, ao qual chamamos dinheiro, como se ele nos pudesse salvar. Mas quando nos fazemos servidores de Deus, convertemos o dinheiro em um meio que ajude a um fim social justo, que toda pessoa tenha o necessário para viver dignamente. E a linha que separa um serviço do outro às vezes é muito tênue.
Pe. José Assis Pereira Soares