Da tristeza e do medo à alegria da evangelização

Atualizado em 01/06/20 às 18:115 minutos de leitura471 views

Celebramos hoje, cinquenta dias após a Ressurreição, a Solenidade do Pentecostes. Esta festa não é uma recordação do passado é a representação de como nasce do Espírito do Ressuscitado a Igreja e se abre à universalidade da missão evangelizadora.

Na verdade, o Espírito Santo sempre esteve presente e é o autêntico construtor da Igreja, desde os primeiros dias. Assistida pelo Espírito Santo a Igreja continua a sua aventura missionária, anunciando o Evangelho.

O relato dos Atos dos Apóstolos (cf. At 2,1-11) sobre o que significou este dia para os primeiros cristãos é eloquente e está cheio de sinais do vigor com o qual o Espírito se manifestou: o ruído do céu, o vento forte, as chamas de fogo que pousavam em cada um dos discípulos reunidos. São sinais de que a presença prometida do Espírito põe em marcha decididamente e com audácia algo novo.

Há três acentos muito próprios deste dia. O primeiro: que as portas da casa se abriram para que a Boa Nova fosse ouvida por todos. A Igreja nasce evangelizando. A evangelização é sua origem. A Igreja não tem como finalidade anunciar a si mesma, não é autorreferencial, mas sim ao mundo, donde se abre para o Reino pela presença ativa do Ressuscitado.

A Igreja não é uma simples organização, mas sim, o Corpo de Cristo animado pelo Espírito. Um conhecido texto patrístico já disse com muita propriedade que: “Sem o Espírito Santo, Deus fica longe; Cristo pertence ao passado; o Evangelho é letra morta; a Igreja, mais uma organização; a autoridade, um domínio; a missão, uma propaganda; o culto, uma evocação arcaica; o agir cristão, uma moral de escravos...” (Atenágoras, séc. II).

Em segundo lugar, nessa comunidade nova cada um conserva sua personalidade e seus dons. Não todos juntos fazendo tudo igual e do mesmo modo, nem pensando ou sentindo por igual, assim não há liberdade. Ora, como diz São Paulo, “onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade” (2Cor 3,17) e o apóstolo ainda nos diz (cf. 1Cor 12 3-7.12-13) que: “A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum”. Isto exige o respeito de cada um ao dom do outro, sem receios, invejas ou imposições. A cada um o Espírito dá um dom e reúne a todos na unidade verdadeira, que não é uniformidade, mas unidade na diferença, harmonia. Portanto, a pluralidade interna da Igreja não é uma ameaça, mas sim graça e ação de Deus.

Por último, a comunidade dos Atos se faz entender em diversas línguas. A língua expressa um modo de ser. Nenhuma delas pode se colocar como veículo privilegiado e único de evangelização. A Igreja é uma comunidade enviada a todos os povos e a todas as culturas, uma Igreja em saída, como o Papa Francisco quer, voltada para fora, em permanente estado de missão e focada nos pobres, em vez de ter um olhar voltado para dentro de si, autorreferencial.

A evangelização não é tanto um exercício de arrogante eloquência, como donos da verdade para convencer outros, mas de simplicidade missionária dialogante. Isso é um programa, sobretudo para uma Igreja pós-pandemia, necessitada de um renovado espírito evangelizador.

No evangelho (cf. Jo 20, 19-23) João apresenta a realidade de tristeza e medo, “portas fechadas” que não deixam os discípulos sentir o que há lá fora. Eles não podiam sair, escutar e sentir a dor e o sofrimento que existe lá fora, não podiam atender aos que estavam privados da comunidade.

Podemos perguntar-nos: temos medo? O medo aparece com diferentes formas, mas hoje há uma enfermidade, até o momento desconhecida, que atinge o mundo inteiro gerando medo. Um temor que permeia a sociedade toda. Neste momento crucial de confinamento o medo pode ser um fator que nos fecha ainda mais em nós mesmos, na nossa própria segurança, sem importar as pessoas ou grupos que estão ao nosso redor.

A Igreja também tem seus medos: O medo do novo; não podemos pensar que somente conservando o passado estaremos sendo fiéis ao Evangelho e garantindo nossa fidelidade, pois o instinto de conservação é sinal do medo; Medo ante a criatividade teológica ou as reformas litúrgicas que faz-nos ficar numa linguagem anacrônica e atrasada que não comunica nem ajuda em nada. Neste contexto das restrições à saúde pública a Igreja está encontrando novas formas de levar os sacramentos e a mensagem do Evangelho aos fiéis. Porém, o desafio mais difícil para liturgia é que tudo parece estar focado na Missa e não pensamos em outras experiências litúrgicas possíveis.

Outro medo que nos desafia e que teremos que dar uma resposta é resultante da inevitável crise econômica global causada pelo confinamento que levará certamente ao fechamento de algumas atividades e até paróquias, por causa da queda na renda e nos números. O desemprego e as dificuldades financeiras que ocorrerão por causa da Covid-19 e que já estão afetando os mais pobres tornarão a missão social da Igreja mais vital do que nunca. Uma instituição mais ágil, mais clara em suas prioridades, mais capaz de responder às necessidades maiores poderá agir como fermento na sociedade, sobretudo na defesa dos direitos dos pobres diante de injustiças clamorosas.

Naquele cenário de medo da comunidade primitiva “Jesus soprou sobre eles e disse: Recebei o Espírito Santo.” (v. 22) O Ressuscitado depois de mostrar as feridas do amor que permanecem gravadas no seu corpo, “soprou sobre eles”, gesto que marca uma nova criação (cf. Gn 2,7). O “sopro” de Jesus sobre os discípulos, como o sopro do Criador sobre o barro inerte de Adão dando-lhe vida, vivifica os discípulos como membros do seu Corpo Místico. Nasce aí a comunidade eclesial, sua Igreja. O medo que era como um freio que bloqueava a missão transforma-se, com a sua presença viva e real, e pela força do seu Espírito, em alegria e missão. O dom do Espírito é ao mesmo tempo responsabilidade, tendo em vista a missão confiada por Jesus à sua Igreja.

É o Espírito que nos transforma interiormente e nos faz dignos e capazes de continuar sua história em nossa história. São os dons do Espírito que aprendemos na tradição da Igreja, as ações de Deus em nós que somos seu templo, para viver com sabedoria, inteligência, conselho, fortaleza, ciência, piedade e temor de ofendê-lo. Um conjunto de atitudes que anima a comunidade cristã enviada como Jesus ao mundo para um serviço de amor.

Neste dia de Pentecostes devemos invocar esse mesmo Espírito para que ponha em nós a capacidade de viver como “con-ressuscitados” com o Senhor e sermos testemunhas credíveis do grande dom do Espírito Santo.

 

Pe. José Assis Pereira Soares Pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus 

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