Cheios do Espirito Santo

Atualizado em 25/06/19 às 09:135 minutos de leitura469 views
Celebramos hoje a solenidade de Pentecostes, que completa o Tempo Pascal, cinquenta dias depois da Ressurreição de Cristo. No Evangelho (cf. Jo 20,19-23), Pentecostes acontece na tarde do dia mesmo da ressurreição, o “primeiro da semana”, estando os discípulos reunidos a portas fechadas, ao entardecer, cheios de medo. A presença do Ressuscitado, para o qual não há barreiras, que lhes comunica a paz, mostra-lhes suas feridas como sinal de sua presença real enche a todos de alegria, e Jesus lhes comunica o Espírito que os qualifica para a missão: "Como o Pai me enviou, também eu vos envio. E depois Jesus soprou sobre eles e disse: Recebam o Espírito Santo!" (vv. 21-22) Do sopro de Jesus sobre eles, nasce a verdadeira comunidade eclesial. O medo e o fechamento, que era como um freio que bloqueava a missão de testemunhar o Cristo Ressuscitado transforma-se, com a presença do Ressuscitado e pela força do Espírito, em paz, alegria e envio missionário. Então, aqueles medrosos pescadores galileus transformam-se em apóstolos e corajosas testemunhas de Cristo em todo mundo então conhecido. São sinais da ação transformadora do Espírito Santo. São Lucas nos Atos dos Apóstolos (cf. At 2,1-11) narra de forma diferente o mesmo acontecimento. Num dia como hoje, enquanto os judeus celebravam a festa de “Pentecostes” ou a festa das “Tendas”, que lembra a aliança de Deus com seu povo e a entrega no Sinai das tábuas da Lei. Cinquenta dias depois da Ressurreição de Jesus estando os apóstolos reunidos no cenáculo, com as portas fechadas por medo dos judeus, se encheram do Espírito Santo. A lei se cumpriu em Jesus; de agora em diante, a aliança entre Deus e seu povo já não se baseará mais em um pacto e uns mandamentos, escritos em tabuas de pedra; mas sim gravada a fogo no coração de cada pessoa. Mas Pentecostes não é apenas um acontecimento do passado, continua ainda hoje. A lei do Espírito Santo é inscrita em nossos corações. Animados pelo dom de Jesus Cristo Ressuscitado e fortalecidos pelo Espírito Santo somos enviados ao mundo como mensageiros da paz e da reconciliação. E o que traz de novo o Espírito Santo? Consuma a revelação da Trindade; inicia o tempo do testemunho, o tempo da Igreja; realiza a comunhão, uma unidade na diversidade; capacita-nos para a alegria, a reconciliação, o perdão e a paz. O Espírito Santo acende em nós a chama do amor. É o amor entre o Pai e o Filho que amando-nos nos associa à relação amorosa da Trindade. É a fortaleza de Deus que nos envia em meio ao mundo hostil e faz nascer, anima a Igreja e sempre a renova ao longo dos tempos, com seus dons e carismas. É a força do Espírito Divino que impulsiona a Igreja sem medo a sair, viver e anunciar o Evangelho de Cristo. E “todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito os inspirava.” (At 2,4) Impressionante como Deus sempre quis comunicar-se conosco! Falar nossa própria língua. Falar-nos da vida ao nosso redor tanto como da nossa interioridade; dos nossos desejos e inquietações profundas ou das nossas feridas. Deus quer comunicar-se sem interferências, quer entregar-nos seu Espírito. Pentecostes pode ser um bom momento para sintonizar com a voz de Deus que fala o idioma de cada coração. Dentro de nós ressoam muitas vozes, o sabemos e as reconhecemos. Inclusive falamos com elas. São ecos do passado, do presente incerto ou de um futuro sonhado. A língua não é somente a expressão da identidade cultural de um grupo humano, mas é também a maneira de comunicar, de estabelecer laços duradouros entre as pessoas, de criar comunidade. “Falar outras línguas” é criar relações, é a possibilidade de superar o gueto, o egoísmo, a divisão, o racismo, a marginalização… Aqui, temos o reverso de Babel (cf. Gn 11,1-9): lá, as pessoas escolheram o orgulho, a ambição que conduziu à separação e ao desentendimento; aqui, regressa-se à unidade, à relação, à construção de uma comunidade capaz do diálogo, do entendimento, da comunicação. É o surgimento de uma humanidade unida, não pela força, mas pela partilha da mesma experiência interior, fonte de liberdade, de comunhão, de amor. A comunidade messiânica é a comunidade onde a ação de Deus (pelo Espírito) modifica profundamente as relações humanas, interpessoais, levando à relação, ao amor. É neste enquadramento que devemos entender os efeitos da manifestação do Espírito: todos “nós os escutamos anunciarem as maravilhas de Deus na nossa própria língua!” A possibilidade de ouvir na própria língua “as maravilhas de Deus” outra coisa não é do que a comunicação do Evangelho, que irá gerar uma comunidade universal, católica. A língua do Espírito é sempre a bondade, a justiça, a misericórdia, a verdade, o amor. É a linguagem facilmente inteligível para todos os que nos veem e nos escutam. Desde o início, portanto, o Espírito abre a Igreja nascente à universalidade: o Evangelho está destinado a ser compreendido em todas as línguas e culturas, e proclamado em todas as nações. Apesar de manter cada um suas diferenças pessoais, culturais e linguísticas a todos chegam a Boa Nova. A proposta de salvação é para todos os homens e mulheres do mundo. Não porque devam uniformizar-se, mas sim porque devem perdoar-se e trabalhar na construção do bem comum respeitando as diferenças, conjugando a diversidades em uma gramática humana universal. O essencial passa a ser a experiência do amor que, no respeito pela liberdade e pelas diferenças, deve unir todas as pessoas e nações da terra. Nos tempos atuais deveríamos nos preocupar com o uso e o abuso que fazemos da linguagem, da palavra. Em nossos dias se abusa da palavra na publicidade e na propaganda, o que leva a sua desvalorização e desprezo; diminui de forma alarmante a competência linguística nas novas gerações. Nas redes sociais se difundem as noticias falsas, as Fake News. Mas se as pessoas já não se entendem falando, como podem entender-se? E se não se entendem uns aos outros, como podem viver juntas? É Pentecostes, o Pai e o Filho Jesus derramam seu Espírito de Amor sobre nós, deixemo-nos encher pelo Espírito do Ressuscitado e ponhamos tudo o que somos e temos a serviço deste mesmo Espírito, para que, em cada um de nós, o Espírito de Jesus se manifeste para o bem comum. Se estivermos cheios do Espírito seremos pessoas fortes, em meio a nossa debilidade, e repartiremos paz, amor e perdão em um mundo cheio de egoísmos. Que este dia de Pentecostes, e sempre, Jesus sopre sobre cada um de nós dizendo: “Recebei o Espírito Santo!” É Ele que nos fará hoje vencer os medos, superar o desânimo, as covardias e fracassos, derrotar o ceticismo e a desilusão, reencontrar a orientação, readquirir a audácia profética, testemunhar o amor, sonhar com um mundo novo. Mais do que nunca é preciso ter consciência da presença contínua do Espírito em nós e nas nossas comunidades e estar atentos aos seus apelos, às suas indicações, aos seus questionamentos. “Vinde Espírito Santo!” Pe. José Assis Pereira Soares

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