Catedral de Nossa Senhora da Conceição (II)

Atualizado em 03/10/20 às 09:444 minutos de leitura1144 views

Quando falamos da Catedral e do seu significado histórico para Campina Grande precisamos pensá-la também sob a perspectiva do seu horizonte missionário, na sua abrangência social como promotora de vida e de dignidade humana, sobretudo em favor dos mais pobres e abandonados de nossa região. Para além do seu sentido simbólico e ritual como primeiro templo religioso do lugar, ela exerceu ao longo do tempo uma importante tarefa no âmbito da cidadania pelo esforço e liderança de seus vigários.

Em 1856, o Cônego Francisco Alves Pequeno construiu, com ajuda do povo, o Cemitério das Boninas, a fim de socorrer a calamidade do surto de cólera que dizimou significativa parte da população da Vila. O cólera morbus vitimou 1.547 pessoas, entre elas o tenente-coronel José Luís Pereira da Costa. Uma vez que não havia espaço no recinto das igrejas, foram improvisados cemitérios cercados de madeira em diversas localidades (sítios) para sepultamento imediato dos corpos.

Foi nesse contexto de extremo luto e perda que teve início a construção do Cemitério das Boninas, trezentas braças ao noroeste da Igreja Matriz. Administrado pela Igreja local, o campo santo foi chamado posteriormente de Cemitério Velho e situava-se na esquina das ruas Índios Cariris e Teodósio de Oliveira Ledo.

Mais tarde, em 1885, a primeira preocupação do recém-empossado na Matriz de Campina Grande, Monsenhor Sales, foi acudir a falta de água no povoado de Queimadas, capela assistida pela sua jurisdição paroquial, construindo com a cooperação da comunidade o açude de São Pedro D’Orleans. Narra o vigário que “deu começo, com auxílio do povo, a construir ali um açude, dito no Boqueirão, que dá passagem aos que vão desta cidade para o mesmo povoado de Queimadas; recomendando ao povo que, em atenção do dia de São Pedro D’Orleans, ficasse conhecendo aquele açude com o nome do grande santo”.

No século passado – idos de 1960 – excepcional obra caritativa e social desempenhou o Padre José Bonifácio com o seu valoroso apostolado em favor dos necessitados que margeavam o centro urbano campinense. Foi de sua iniciativa a construção da Capela de São Pio X, a construção da Igreja e Escola de São Sebastião no Alto Branco, a construção da Capela de Santa Madalena como espaço para profissionalização e promoção das mulheres na Feira Central, a direção do Instituto Pio XII, a criação da Escola Primária patrocinada pela União das Filhas de Maria, no prédio onde atualmente funciona a Faculdade de Direito, próxima ao Açude Velho.

Este gênio empreendedor do Padre Bonifácio é descrito por Maria Rodrigues (Sra. Isaurina) ao afirmar que “ele era muito apostólico, idealizador e um grande líder. Além das grandes atividades, como vigário da Catedral, ele dava especial assistência a toda Ação Católica. Através dele, a JOC – Juventude Operária Católica – masculina e feminina se expandiu por vários bairros desta cidade e funcionava semanalmente de forma apostólica e fiel. Havia a JOC central com a sua diretoria animada e dinâmica, com tardes mensais de formação geral. Funcionava no prédio dos Moços Católicos, onde atualmente localiza-se o Secretariado Diocesano”.

Observamos nestes relatos, a ação pastoral de uma Igreja continuamente identificada com o serviço da caridade e com as causas da população; quando não havia na Paraíba do século XIX sequer os entes públicos, ou seja, os munícipios e suas secretarias para gerirem as demandas básicas relacionadas à sobrevivência e dignidade humana, – como o abastecimento d’água, o cuidado com os mortos, as escolas, a defesa das mulheres e dos órfãos, – sendo a ação efetiva dos missionários e dos párocos das Vilas uma resposta a estas problemáticas e flagelos sociais.

Não podemos esquecer a figura emblemática do Padre Mestre Ibiapina, fundador e dirigente espiritual da Casa de Caridade em Campina Grande, entre tantas outras, liderada após a sua morte pelo cuidado pastoral do Monsenhor Sales, que por sua vez, integrou a vida das beatas remanescentes ao ofício sagrado da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, a fim de dar-lhes dignidade, acolhimento e sustentação material.

Paralelo a estes fatos, é interessante destacar que o processo de modernização das cidades estava em curso no Brasil desde o Segundo Reinado, contudo os equipamentos de melhoria destinados ao usufruto dos centros urbanos nem sempre alcançavam o tecido social em seu conjunto e complexidade, sobretudo nos rincões mais afastados das capitais e nas periferias destes mesmos centros.  O exemplo da construção do cemitério, do açude e das escolas instaladas no entorno da então freguesia de Campina Grande demonstra a coragem destes curas de almas  ao assumir  para seus próprios ministérios  a representação destas aflições humanas.

As políticas públicas que no Brasil imperial e republicano chegavam com dificuldade aos cariris e sertões da Província foram em muitos instantes preenchidas pela atuação próxima e decisiva dos vigários do interior. Compreendemos nesta dinâmica mais ampla o lugar social ocupado pela Catedral de Nossa Senhora da Conceição em seu processo histórico, sendo refúgio e força para os desamparados de toda sorte.

Pe. Luciano Guedes do Nascimento Silva Vigário Geral e Pároco da Catedral

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