Assim é Jesus, como um cordeiro!

Postado em 20/01/20 às 10:525 minutos de leitura489 views
No centro da cena do Evangelho deste Domingo (cf. Jo 1,29-34) está essa palavra de João Batista: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” (v. 29) Uma palavra acompanhada pelo olhar e pelo gesto de apontar Jesus. Imaginemos a cena. Às margens do rio Jordão, João está batizando as pessoas que chegam ali atraídas pelo seu pregão e para receber o seu batismo. Eis que chega Jesus, no meio do povo, dos “pecadores”. É a sua primeira aparição pública, quando saiu de Nazaré, vai ao Jordão para deixar-se batizar pelo Batista. É o sinal que João esperava. É Ele! Jesus é o Messias. Desconcertado, no entanto, porque Ele se manifestou de modo inimaginável, no meio dos pecadores. Mas o Espírito ilumina o Batista e faz-lhe compreender que Jesus é o Enviado de Deus, não com o poder deste mundo, mas sim como um cordeiro. Assim João indica-o ao povo e aos seus discípulos. Sabemos pelo relato do Êxodo, que o cordeiro para libertar o povo hebreu, deverá ser imolado assim é Jesus, o Cordeiro imolado de Deus. Do mesmo modo que o sangue do cordeiro da páscoa libertava os hebreus da escravidão egípcia, o sangue do Cordeiro Jesus nos liberta do pecado. No Novo Testamento o termo “cordeiro” aparece várias vezes, e sempre em referência a Jesus. Esta imagem do cordeiro poderia causar admiração; com efeito, um animal que certamente não se caracteriza pela força nem, pela robustez de um elefante, carrega sobre os seus ombros um peso tão grande. A massa enorme do mal é levantada e carregada por uma criatura tão frágil, símbolo de obediência, docilidade e amor, que chega até o sacrifico de si. O cordeiro não é um dominador, como um leão furioso que se impõe na selva do mundo, nem uma águia agressiva e destruidora, mas é dócil e pacifico; não mostra as garras nem os dentes diante de qualquer ataque. Assim é Jesus, como um Cordeiro que se faz presente entre os pequenos, os fracos, excluídos. João Batista fala que a função de Jesus, o Cordeiro não é somente a de tirar os pecados individuais, mas sim a de por fim ao domínio do Pecado do mundo. Mas qual é esse “pecado do mundo”? Literalmente, o verbo que é traduzido como “tirar” significa “levantar”, “carregar sobre si”. Jesus veio ao mundo para cumprir uma missão especifica: libertar o mundo da escravidão do pecado, assumindo as culpas da humanidade. De que forma? Amando. Deus se fez Cordeiro entre os cordeiros, porque é Graça que perdoa e que ama, e porque os seres humanos podem corresponder, entrando em sintonia com seu amor. Diz o Papa Francisco: “Não há outro modo para vencer o mal e o pecado, a não ser através do amor, que impele ao dom da própria vida pelo próximo. Jesus é o verdadeiro Cordeiro pascal, que mergulha no rio dos nossos pecados para nos purificar.” Esta é a experiência fontal: frente a uma religião centrada nos pecados e sacrifícios, Jesus, para o evangelista João abre um caminho de graça aos homens e mulheres de todos os tempos, assim, rompe a escravidão religiosa, centrada nas culpas e expiações, e oferece o dom da salvação a todos, sem exceção: judeus e pagãos, cristãos e não cristãos. Para entender o que é o “pecado do mundo”, diremos que o termo está no singular porque não se refere aos pecados individuais, tais como os entendemos, trata-se do “pecado de raiz”, a opressão que, enraizada nas estruturas sociais, politicas, econômicas e religiosas, atrofia o ser humano, impedindo-o desenvolver-se como pessoa. Todos os demais pecados se reduzem a este. E o vocábulo “mundo” tem um significado muito preciso: é o mundo fechado que rejeita Deus, é o mundo que quer dominar pela força e sacrificar os outros para se impor, é a injustiça e a violência que se expressam nas diferentes formas de intolerâncias e preconceito, é a humilhação que desumaniza a todos, refere-se ao conjunto de valores e de contravalores que compartilham uma pluralidade de pessoas em um tempo e em um espaço determinados. Ao longo da história têm existido muitos mundos: o mundo grego, o mundo medieval, o mundo moderno, o mundo africano, o terceiro mundo, o mundo desenvolvido etc. O mais específico de cada mundo é que todos os valores e contravalores que o constituem e que são compartilhados por uma pluralidade de pessoas têm um mesmo “núcleo”, o dinamismo do mal que está entranhado no nosso mundo exterior e interior, nos nossos projetos, desejos e ações. A experiência do pecado é de desvio de rota, de frustração da nossa vocação, experiência que nos desumaniza e nos faz viver uma existência vazia. Jesus foi em seu “mundo judeu” – submetido aos romanos – um verdadeiro “Cordeiro de Deus” que libertou os mais desprotegidos das grandes desumanidades, quer dizer, curou enfermos, deu dignidade aos que não a tinham, se compadeceu dos que sofriam pela exclusão e o preconceito, libertou aos que padeciam todo tipo de escravidão. Este era o modo que Jesus tinha de tirar o pecado, a grande desumanidade de seu mundo. O “pecado do mundo” não tem que ser expiado, mas arrancado, eliminado, destruído. Jesus “tira” o pecado do mundo, reconstruindo as relações quebradas; não aniquila alguns pecados concretos, algumas faltas particulares, mas o “pecado cósmico”, ou seja, tudo o que trava o fluir da vida. Para o evangelista João, portanto, há um só pecado (a opressão, a injustiça) e um só mandamento (o serviço, o amor). Jesus tirou o pecado do mundo escolhendo o caminho do serviço, da humildade, da pobreza, amando a todos indistintamente até à entrega radical. Esta atitude destrói toda forma de domínio, de injustiça e violência, revelando que a salvação de Deus chegou para todos. Que significa para nós hoje e para a Igreja ser discípula de Jesus, Cordeiro de Deus? A Igreja, em todas as épocas, é chamada a fazer aquilo que fez João Batista, indicar Jesus ao povo dizendo: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” A Igreja não pode ser auto referencial, não anuncia a si mesma, anuncia Cristo; não se traz a si mesma, mas é portadora de Cristo ao mundo. A função dos cristãos não é somente a de ajudar a suprimir os sofrimentos e culpas individuais, mas sim a de por fim ao domínio desse pecado de raiz, que é a origem de não poucos sofrimentos neste mundo. “Ser discípulo do Cordeiro significa por no lugar da malícia a inocência, no lugar da força o amor, no lugar da soberba a humildade, no lugar do prestígio o serviço... Ser discípulo do Cordeiro significa não viver como que numa ‘cidadela cercada’, mas como numa cidade posta sobre o monte, aberta, hospitaleira e solidária. Quer dizer não assumir atitudes de fechamento, mas propor o Evangelho a todos, dando testemunho com a nossa própria vida de que seguir Jesus nos torna mais livres e mais alegres.” (Papa Francisco)

Padre Assis Pereira Soares – Pároco da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus.

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