Alocução do Bispo Diocesano Dom Dulcênio Fontes de Matos - Abertura da CF 2020

Atualizado em 06/03/20 às 13:574 minutos de leitura357 views
Confira na íntegra a Alocução proferida por Dom Dulcênio Fontes de Matos, porventura da abertura da Campanha da Fraternidade na Diocese de Campina Grande realizada na última terça-feira (03).

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Fraternidade e Vida: dom e compromisso

Inspirando-nos a consciência evangélica, e, para tanto, resgatando a Parábola do Bom Samaritano (cf. Lc 10,25-37), a Campanha da Fraternidade 2020 convida pessoas, grupos, comunidades e todo o Brasil a ouvir esse texto tão conhecido e compreensível, cujos ecos preenchem a nossa resposta de fé e vida na existência de tantos que carecem da nossa atenção e da nossa ajuda. Assim, por mais familiar que nos seja a Parábola, esta está longe de ser ultrapassada, já que a sua atualidade é grande e aplicável: um quadro social, ambiental e cultural de aguda violência, com risco de morte, mas também de indiferença de alguém que passa ao largo e de um coração corajoso que vem e se arrisca na preocupação, no zelo pelo próximo.

Repelindo do nosso coração o desencontro, a indiferença para com o próximo – nosso irmão –, a Campanha da Fraternidade deseja nos inspirar na universalidade, no ajudar sem olhar a quem, já que nos apresenta o texto bíblico como lema: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (cf. Lc 10,33-34). E assim, na generalidade da caridade, que se sujeita a especificidade de tantas e tantas situações, devemos despertar a sensibilidade que Deus, nosso Senhor, plantou em nós. Como Cristo, o Bom Samaritano, com gestos imediatos, testemunhas de outro jeito de ver a vida que não o propagado pela cultura da indiferença, é-nos possível pensar, sentir e agir diferente, segundo o coração do próprio Deus, que Se comisera conosco.

A Campanha da Fraternidade, fazendo justiça ao tripé quaresmal da caridade (ou da esmola), apresentado pelo Evangelho da Quarta-feira de Cinzas (cf. Mt 6,1-6), é uma campanha que sintetiza todas as demais: ela recolhe as tratativas das suas outras edições ao longo destes quase sessenta anos, mostrando que o pecado é sempre uma agressão à vida e, vice-versa, e que toda agressão à vida é sempre pecado. E, nisso, naturalmente, insere-se a indiferença. Assim, a Campanha da Fraternidade fala ao nosso coração, particularmente, e à sociedade, recordando as inúmeras situações que agridem o ser humano em geral, denunciando uma mentalidade que vai encontrando justificativas esfarrapadas para não se preocupar com a vida, sobretudo àquelas mais ameaçadas, agredidas, destruídas. Esta denúncia feita pela Campanha da Fraternidade questiona à indiferença pessoal, socioambiental e sociocultural, ou seja: é preciso desmascarar, mostrar que a pessoa é indiferente, a sociedade traz situações e estruturas que se alimentam da indiferença e a nutrem e a mentalidade estabelece as conexões dentro de todo esse processo.

O brado da Campanha da Fraternidade é unido ao grito do Papa Francisco, que recrimina a “globalização da indiferença”. Creio que, ao tratar deste termo, o Papa põe-nos palavras a nós reflexivas, quando diz: “Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores alheios, já não choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos em cuidar deles, como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos incumbe. A cultura do bem-estar anestesia-nos, a ponto de perdermos a serenidade se o mercado oferece algo que ainda não compramos” (Evangelii Gaudium, 54). E, olhando para nós mesmos, para a cultura consumista, questionamo-nos: quanto o prazer do ‘ter’ e do acúmulo nos empedra diante do outro que subjaz nas estradas da vida, cujo olhar interpela-nos e pode desconcertar-nos? E à medida em que isto vai acontecendo se cria ainda mais no mundo, sob diferentes formas, uma cultura de morte, onde o outro, degradado em sua dignidade, já não é visto como irmão, ao que sequer o reconhecemos como pessoa de Cristo sofredor.

Isto quando a cultura em voga não nos introjeta o próximo como competidor, inimigo a ser combatido, destruído, morto… Cultivando-nos num espírito de conversão sincera e profunda pela Campanha da Fraternidade, devemos redirecionar o olhar para o próximo, identificando nele um irmão, comprometendo-nos com ele, sujeitando-se se a circunstância assim nos impelir, como o samaritano da Parábola, que deve ter se manchado com o sangue daquele desconhecido tornado próximo pela dor; percebendo-o outro Cristo, macerado pelos sofrimentos (cf. Is 53,10).

Que o constante ver, julgar e agir propostos por esta Campanha da Fraternidade, inspire-nos a alteridade em meio a tantas exigências de compromisso com a vida plena para todos.

Dom Dulcênio Fontes de Matos Bispo Diocesano de Campina Grande

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