A verdadeira religião

Atualizado em 25/06/19 às 10:155 minutos de leitura418 views
Pe. José Assis Pereira Soares Em que consiste a religião autêntica? Qual é o culto verdadeiro, que agrada a Deus? A verdadeira religião está no coração da pessoa que escuta e põe em prática a Palavra de Deus. São Tiago nos diz em sua carta: “Sede praticantes da Palavra e não meros ouvintes.” (Tg 1,21-22) A língua hebraica distingue entre palavra e ato, escutar e por em prática a Palavra. E por isso não se pode separar o escutar do fazer, nem o fazer do escutar. “Moisés falou ao povo, dizendo: Agora, Israel, ouve as leis e os decretos que eu vos ensino a cumprir, para que fazendo-o, vivais... Guardai os mandamentos do Senhor vosso Deus que vos prescrevo. Vós os guardareis, pois, e os poreis em prática.” (Dt 4,1.6) O “Decálogo” é chamado “as dez palavras” é que se tem de escutar e por em prática. Essas palavras, que resumem toda a lei de Moisés, Deus as pronunciou para o bem de seu povo e, portanto, possuem características propriamente divinas. Enquanto os outros povos se regem por leis e preceitos surgidos da sabedoria e vontade humanas, o “Decálogo” para os Israelitas tem a sabedoria mesma de Deus. Uma sabedoria nada teórica, mas que envolve a vida e a penetra em todas as suas expressões são palavras para se viver. O cristão tem de ser obediente ou dócil à Palavra, de modo que não só a escute, mas também a ponha em prática. Qual é essa Palavra? Fundamentalmente o amor a Deus e o amor ao próximo, coração da verdadeira religião cristã. É interessante a reflexão de Jesus (cf. Mc 7,1-23) à pergunta feita pelos fariseus: “Por que os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos, mas comem o pão com mãos impuras?” (v. 5) No debate cerrado entre Jesus e os “fariseus e escribas” acerca de tradições e a Lei, Jesus denuncia a hipocrisia e apresenta um novo critério: é importante viver a Palavra na sua plenitude, com autenticidade e coerência entre o “dizer” e o “fazer”: “Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, como está escrito: Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam; pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos’. (vv. 6-7) Jesus com esta citação do Profeta Isaías, não só denuncia um culto feito de exterioridades vazias, mas também censura o abandono da Lei de Deus em troca do zelo por preceitos ou tradições e costumes meramente humanos. Perder de vista o essencial, o que Deus quer, para centrarem-se em coisas de menor importância, meras tradições humanas. Jesus confirma assim o pensamento dos profetas contra o “formalismo” na prática da religião. Põe em evidência a deformação que leva a pessoa a "parecer boa" mais que "o sê-lo de verdade"; o preferir o cumprimento "externo" da lei à mudança interior, real do coração; o pôr mais atenção em praticar com meticuloso cuidado rubricista ritos que procurar a sinergia, a união dos lábios, mente e coração com o Espírito de Deus. Em seguida Jesus ensinou que o que sai do interior da pessoa é o que conta, não o externo. Porque do interior das pessoas saem as obras boas e as más. Então deu o Mestre um “catálogo” das maldades que saem do coração humano: “más intenções, imoralidades, roubos, assassinatos, adultérios, ambições, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo” (vv. 21-22). Que retrato de uma sociedade corrompida! Não se parece esta descrição ao que está ocorrendo em muitos ambientes do mundo e em nossa própria sociedade brasileira? Talvez também até nós estejamos um pouco contaminados destas maldades… Se olharmos, honestamente para nós e ao nosso redor, talvez não tenhamos dificuldade em admitir isso que o Senhor nos diz! Voltando à carta de São Tiago (cf. Tg 1,27) ele propõe com clareza a religião que agrada a Deus: “ a religião pura e sem mancha diante de Deus é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo.” Quer dizer, os cristãos autênticos são aqueles que demonstram com suas obras o que creem e professam com seus lábios, ou celebram em sua liturgia. “Escuta e vida” representa o programa diário do discípulo, onde a Palavra, primeiro escutada, se torna depois experiência e celebração da vida. Infelizmente temos de reconhecer com frequência que “dizer é uma coisa, fazer é outra”, isto é, entre a escuta e a vida a distância é enorme. O cristianismo desde seus primeiros tempos sempre teve que optar entre a fidelidade à Palavra, Evangelho de Jesus e o cumprimento de algumas tradições judaicas. Podemos pôr aqui só alguns exemplos muito conhecidos; o cumprimento do descanso sabático, a lei do talião, a necessidade de circuncidar ou não aos não judeus convertidos ao cristianismo, a questão da pureza legal etc. Todos conhecemos a atitude de Jesus em todos estes casos através dos evangelhos e sabemos que os apóstolos tiveram que sofrer muito para manter-se fieis ao Mestre. O importante é que também nós, agora saibamos optar pela fidelidade ao Evangelho de Jesus, frente a certo tradicionalismo estéril, certo devocionismo e legalismo vazio ou relativismo moral. Não queiramos tapar nossa falta de amor generoso e desinteressado a Deus e ao próximo, com o simples cumprimento de ritos, rezas, penitências e sacrifícios. Nossa principal tarefa, ao longo de toda nossa vida é purificar nosso coração, tratando de fazê-lo o mais possível semelhante ao coração de Jesus e ser uma religião do coração. Sendo o coração o centro da pessoa. O coração visto não só como fonte de amor, afetividade, mas também como sede da razão, dos sentimentos, da vontade, da consciência, da decisão. O cristianismo não só do futuro, mas do presente, está pedindo para ser uma religião do coração. A autenticidade deveria ser a carteira de identidade de todo cristão. Mas, o que significa ser autêntico? Na concepção cristã, ser autêntico se entende como um ideal de ser um mesmo e não outro, não uma máscara. Neste sentido, "autêntico" é quem não vive de aparências. É fácil e tentador querer viver de aparências, é uma força tentadora. O farisaísmo é tentação permanente para o cristão. Uma religião aspergida por atitudes farisaicas, mera exterioridade que coloca práticas ritualistas tradicionais acima da própria lei do amor, não morre facilmente, resiste no tempo até os dias atuais. Temos que estar alerta sobre a ilusão de uma religião refúgio de pessoas que dizem, mas não fazem. Tal cristianismo é ficção e uma indigna caricatura da religião, com o consequente descrédito, porta de entrada para a indiferença religiosa, o ateísmo e a descrença. Então, menos práticas de piedade, menos liturgias apressadas, menos romarias, menos devoções para que não nos sintamos mais em ordem como católicos somente porque vivemos momentos litúrgicos! E, então, mais escolhas de vida que concretizem o Evangelho de Jesus Cristo, arrancando-o do sonho e fazendo-o tornar-se realidade de hoje mediante os nossos novos estilos de vida! Mais ações de acolhimento e vida que unam indissoluvelmente a liturgia com a vida, a fé com o que se vive no dia a dia!  

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