A paz de Jesus

Atualizado em 25/06/19 às 09:165 minutos de leitura690 views
Neste VI Domingo da Páscoa, o Evangelho (cf. Jo 14,23-29) reconduz-nos ao cenário da Última Ceia, antes de Jesus enfrentar a paixão e a morte na cruz. São palavras de despedida de Jesus, prometendo aos seus discípulos o dom do Espírito Santo, que terá a tarefa de ensinar e recordar suas palavras à comunidade. O próprio Jesus diz: “O Defensor, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que vos tenho dito” (v. 26). O Paráclito, o Defensor, o Advogado, o Espírito Santo tem a tarefa de despertar a memória, de recordar as Palavras de Jesus nas diversas circunstâncias da vida. “É precisamente isto que acontece ainda hoje na Igreja, guiada pela luz e pela força do Espírito Santo, para que possa levar a todos o dom da salvação, ou seja, o amor e a misericórdia de Deus.” (Papa Francisco) Não estamos sozinhos! E o sinal da presença do Espírito Santo é também a paz que Jesus concede aos seus discípulos: “Deixo-vos a paz, minha paz vos dou; não a dou como o mundo.” (v. 27) Os povos semitas costumavam desejar e dar a paz uns aos outros nos cumprimentos e despedidas. Por isso, no contexto da sua despedida Jesus deseja a “paz” aos seus discípulos. A palavra utilizada por Ele é “shalom”, com ela, os judeus ainda hoje se cumprimentam; com ela o próprio Ressuscitado saudou os discípulos na tarde do Domingo de Páscoa. O termo hebraico “shalom”, traduzido nas bíblias em português por “paz”, é uma palavra tão amplamente usada e com tão rico conteúdo que nenhum termo português sozinho pode traduzi-lo. O judeu concebia a paz como um dom de Deus, como tal, tornou-se um conceito teológico. A paz não consiste em mera prosperidade e bem-estar. O estado de bem estar perfeito que a palavra designa, é identificado com a divindade: quando alguém possui a paz, está em perfeita comunhão com Deus. No Novo Testamento a paz é a saudação usual do Ressuscitado. A paz que Ele oferece a seus discípulos não nasce da ausência de conflitos, nem da inércia de quem não se envolve nos acontecimentos da história, mas sim da confiança que o Ressuscitado oferece a quem se anima a segui-lo radicalmente. A paz que o mundo oferece não é uma paz verdadeira, mas sim uma “negociação de partes” através da qual se quer evitar confrontações. Onde há uniformidade não há paz. Onde há cumplicidade não há paz. Ali onde for necessário negociar a fé, a vida e os valores, não pode existir uma paz verdadeira. Paz é comunhão com Deus, e o próprio Jesus é a nossa paz neste sentido, visto que Ele é o vínculo de comunhão; vivemos em paz com Deus graças a nosso Senhor Jesus Cristo. Ele é também um estado de tranquilidade interior e de relações harmoniosas com a comunidade cristã. No projeto de vida cristã a paz abrange todas as dimensões da vida humana e se converte num compromisso permanente para os seguidores de Jesus, construir a paz. Por isso Jesus distingue entre sua paz e a paz do mundo. A paz do mundo tem como base o poder, o domínio, a força do mais poderoso sobre o mais fraco. A paz de Cristo é um dom, um presente, uma espécie de herança, derivada de sua partida, é parte de seu testamento espiritual que os discípulos terão de cultivar como um projeto que permite tornar presente no mundo a vontade do Pai. A paz do mundo é uma paz feita de mentiras e conivências covardes, de concessões e cessões mútuas. É uma paz frágil que intranquiliza mais que sossega.  A paz de Cristo, em troca, é sólida e profunda, duradoura e alegre. Por isso, continuando disse: “Não se perturbe, nem se intimide o vosso coração” (v. 27) Jesus dá a seus discípulos e a nós um dom precioso, a plenitude de todos os dons do Espírito. Se a paz reinar em nossos corações seremos capazes de transmiti-la aos outros e de construí-la ao nosso redor.  Os seguidores de Jesus somos chamados a ser sinais de contradição por querer construir um mundo mais humano, mais fraterno e mais solidário. Buscar a paz implicará muitas vezes ir contra a corrente do consumismo, do hedonismo e do relativismo. A paz, como dom do Ressuscitado, sempre convida a buscar caminhos de diálogo e reconciliação. É a paz feita de reverência ao outro, de respeito, de tolerância, de compreensão benevolente das limitações dos outros e de acolhida do Mistério. Ela alimenta o amor, o cuidado, a vontade de ser compreendido, de perdoar e de ser perdoado. A paz cristã não tem outro caminho viável senão o caminho do amor. Encarnada nesta categoria, a paz ganha toda importância que o amor tem em qualquer concepção de vida. Por isso um cristianismo que apelar à violência, à força das armas, ou que pactua com os violentos para justificar uma ideologia, se aparta completamente do caminho que o mesmo Jesus de Nazaré, o Príncipe da Paz trouxe com suas palavras e seus gestos: “Bem-aventurados os mansos porque herdarão a terra... Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus”. (Mt 5,4.9) Aquele que ama de verdade a Deus e ao próximo vive com a alma cheia de paz interior, porque sabe que se Deus está nele e com ele nada nem ninguém o poderá derrubar espiritualmente. Aprendamos a viver hoje em paz, na paz de Deus, ainda que as circunstâncias sociais e políticas nos convidem a viver em continuo sobressalto. Estamos vivendo uma hora muito decisiva para a Igreja e para o anúncio da alegria do Evangelho. Nunca como hoje necessitamos de pessoas vigorosas e não covardes, dispostas a dar testemunho de Jesus, dispostas a amar, a oferecer-se; a dar-se generosamente aos outros como sinal e identidade de que somos de Cristo e de que pertencemos a uma comunidade de irmãos que se amam fraternamente. E, acima de tudo, certos da promessa de Jesus: Ele nos acompanhará, Ele se colocará ao nosso lado, Ele é nosso Advogado e Defensor; o Paráclito nos consolará, seu Espírito nos guiará, como membros de sua Igreja, até a meta final. Jesus volta para o Pai, mas continua a nos acompanhar e nos ensinar tudo mediante o dom do Espírito Santo. Que Deus nos siga animando e inundando com a alegria desta Páscoa e que nada nos perturbe, que ninguém nos roube a paz. Aconteça o que acontecer, conservemos a calma, vivamos serenos e otimistas, persuadidos de que Jesus, com sua morte e com sua ressurreição, nos salvou de uma vez para sempre e nos dá a sua Paz. Pe. José Assis Pereira Soares

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