A opção pelos pobres

Atualizado em 25/06/19 às 09:525 minutos de leitura474 views
Na liturgia da Palavra deste domingo as mulheres ocupam um papel predominante e positivo. Os textos sagrados da Palavra de Deus tanto do Antigo Testamento (1Rs 17,10-16) como o Evangelho (Mc 12,38-44) nos apresentam duas mulheres, ambas viúvas e pobres. Mas as perícopes não nos apresentam estas duas mulheres somente como exemplo de pobreza, mas sim de generosidade. Elas são de admirar, mas também questionam nossa fé e nosso compromisso cristão com os mais pobres. Com seu gesto nos mostram sua grande fé em um Deus que sempre está ao lado dos empobrecidos. O profeta Elias (séc. IX a.C.) chega a Sarepta e dirige-se a uma viúva da cidade (cf. 1Rs 17,10-16), pede-lhe água para beber e pão para comer. Naquela situação dramática de seca e fome, a mulher está para preparar um pão com o último punhado de farinha e as últimas gotas de azeite que tem para comer com seu filho, antes de esperar a morte. Nessa situação, por si só humanamente dramática, o profeta Elias pede que ela lhe dê esse pão. A mulher acede, pois há uma espécie de instinto divino que a move a agir assim. É o dom da generosidade que Deus concede aos que pouco ou nada têm. Não pensa em sua sorte; pensa só em obedecer à voz de Deus que lhe chega por meio do profeta. Desse pão que a mulher reparte comem seu filho, ela e o profeta. Cumpre-se a Palavra de Deus: “a vasilha de farinha não acabará e a jarra de azeite não diminuirá, até o dia em que o Senhor enviar a chuva sobre a face da terra.” (v. 14) O evangelista Marcos (cf. Mc 12,38-44), atualiza o episódio da viúva de Sarepta. Naquele dia, no templo, havia muitos ricos e uma pobre viúva. Jesus vê os ricos, mas a sua atenção se volta para uma mulher cuja pobreza é dupla, financeira e afetiva. Os ricos fazem muito barulho depositando no cofre do templo suas ofertas. A mulher é discreta, só Jesus consegue ouvir cair no cofre as duas moedas que lhe restam, muito pouco, quase nada. Mais do que uma personagem pobre, nos encontramos ante o gesto que ela realiza ao deixar tudo no templo. Um gesto que, graças ao olhar atento de Jesus, se converteu em proverbial: "a esmola da viúva" é sinônimo da generosidade de quem dá sem reservas tudo ou o pouco que possui. “Todos deram do que tinham de sobra, enquanto ela, na sua pobreza, ofereceu tudo aquilo que possuía para viver”. (v. 44) Quem dera pudéssemos aprender desse Evangelho, do exemplo desta mulher, a conjugar o verbo “dar”. Dar com generosidade, gratuitamente, como gratuitamente recebemos, pois “de graça recebestes, de graça dai.” (Mt 10,8) Dar ou compartilhar com os outros, é uma forma de reconhecer que todos os bens e dons pertencem a Deus e que somos meros administradores. Não faz mal examinarmos à luz do exemplo destas mulheres e nos perguntarmos: Onde está a opção pelos pobres que a Igreja proclama? Onde estão os pobres na Igreja? Que lugar ocupa o pobre em nossas preocupações e projetos pastorais? No mundo globalizado, diz o Papa Francisco “desenvolveu-se uma globalização da indiferença. Quase sem nos apercebermos, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores alheios, já não choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos por cuidar deles, como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos incumbe”. (Evangelii Gaudium n. 54) “No coração de Deus ocupam lugar preferencial os pobres, tanto que até Ele mesmo ‘se fez pobre’ (2Cor 8,9). Todo o caminho da nossa redenção está assinalado pelos pobres. [...] O Salvador nasceu num presépio, entre animais, como sucedia com os filhos dos mais pobres; [...] cresceu num lar de simples trabalhadores e trabalhou com as suas mãos para ganhar o pão. Quando começou a anunciar o Reino, seguiram-no multidões de deserdados, pondo assim em evidência o que Ele mesmo dissera: ‘O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa Nova aos pobres’ (Lc 4,18).” (EG n. 197) Jesus nos revelou que Ele é servido e acolhido pelos pobres. Por isso, não podemos excluir ninguém em nosso amor. Se devemos amar com preferência aos mais fracos e vulneráveis é porque o necessitam mais nosso amor que deve estender-se a todos. Como entendemos nós o chamado à caridade para com os pobres? Ficamos muitas vezes na simples esmola que adormece nossa consciência do sentimento de culpa. Enquanto milhões de pessoas passam fome, nossa sociedade desperdiça o que outros necessitam para sobreviver. Na inauguração de seu pontificado, o Papa Francisco, inspirado em São João XXIII e alicerçado no testemunho dos mártires das causas sociais na América Latina, expressou o seu sonho incômodo: “Como eu gostaria de uma Igreja pobre, para os pobres!” Coerente com o espírito da “opção pelos pobres”, tão bem explicitada e tematizada na segunda metade do século XX pela teologia latino-americana, Teologia da Libertação, muitas vezes injustamente julgada e condenada. Alguns teólogos latino-americanos disseram que a “salvação vem de baixo, vem do pobre”. Desse mundo provêm impulsos de salvação que dificilmente podemos encontrar em outros entornos. Os portadores simbólicos da salvação são o pobre e o pequeno, como o servo sofredor e Messias crucificado. (cf. Jon Sobrino) O Papa Francisco faz dos pobres uma questão primeira e central na vida da Igreja e de seu pontificado. Para ele urge “uma Igreja pobre e para os pobres” reais, não virtuais, numa opção espiritualista pelos pobres. “Para a Igreja, a opção pelos pobres é mais uma categoria teológica que cultural, sociológica, política ou filosófica. Deus manifesta a sua misericórdia antes de mais a eles. Esta preferência divina tem consequências na vida de fé de todos os cristãos chamados a possuírem ‘os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus’ (Fl 2,5). Inspirada por tal preferência, a Igreja fez uma opção pelos pobres, entendida como uma forma especial de primado na prática da caridade cristã, testemunhada por toda a Tradição da Igreja. Como ensinava Bento XVI, esta opção está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para nos enriquecer com a sua pobreza. Por isso, desejo uma Igreja pobre para os pobres... É necessário que todos nos deixemos evangelizar por eles.” (EG n. 198) A Igreja pobre e a Igreja dos pobres se fundem numa única coisa. A opção pelos pobres deve ser concreta na vida da Igreja. Se assim não fosse, a Igreja falaria do pobre de forma romântica ou com simples falatório, ou mero assistencialismo sem envolver-se nas transformações internas e externas. A Igreja libertadora dos pobres é práxis e não ideia. Ela planeja estratégias e metas de libertação dos pobres em comunidades concretas e em circunstâncias reais. O protagonismo histórico do povo, de passivo e ausente nas Américas, é resgatado a partir de baixo, do Evangelho de Jesus Cristo numa Igreja que reencontrou, na dignidade dos pobres, sua força para transformar a sociedade com o mesmo dinamismo libertador que inspira o Amor de Deus em Jesus de Nazaré. (cf. DOC. 105, CNBB, 94) Preparemo-nos para celebrar com toda Igreja, no próximo domingo, o Dia Mundial dos Pobres. Por Pe. José Assis Pereira Soares

Comentários (0)