A misericórdia e a ternura de um Deus Pai

Postado em 16/09/19 às 08:435 minutos de leitura857 views
A misericórdia e a ternura de Deus resumem a Liturgia deste Domingo. O Evangelho de São Lucas (cf. Lc 15,1-37) recolhe três parábolas da misericórdia divina; todas põem em evidência a alegria de Deus com o reencontro com o pecador, representado na ovelha, na moeda e no filho perdido. Jesus não fala da misericórdia de modo abstrato, Ele a narrou através dessas parábolas. Deus ama os pecadores, e por isso os busca como o pastor vai procurar a ovelha perdida; ou como uma dona de casa procura uma moeda que não sabe onde a guardou ou ainda como um pai ama a seus dois filhos, tanto o mais novo que sai de casa quanto o mais velho que fica e se comporta de modo distante. E porque ama, não pode fazer outra coisa que mostrar seu amor: esperando, acolhendo à volta o filho, perdoando, festejando; convidando todos, inclusive o filho mais velho a compartilhar sua alegria. É Deus quem toma a iniciativa de buscar o extraviado, simbolizado na ovelha perdida, na moeda ou no filho. É Deus o autêntico protagonista das três parábolas. Mas nem todas as pessoas entendem que Deus é misericórdia e esbanja generosidade e ternura para os que mais necessitam os pecadores. Nos Evangelhos aparece claramente, em numerosos textos, como o que lemos neste domingo, que os que são tidos como pecadores públicos, no mundo religioso judeu onde viveu Jesus, são precisamente, aqueles que o escutam e, ao contrário, quem se vê a si mesmo como justos, irrepreensíveis e conhecedores da lei de Deus são aqueles que rejeitam os ensinamentos de Jesus. Não há nenhuma duvida que Jesus causasse escândalo com sua pregação e suas atitudes feriram a sensibilidade religiosa dominante à sua volta, ao mesmo tempo em que despertou o assombro e a esperança daqueles que se sentiam excluídos e desprezados pela religião judaica. Frente à imagem de um Deus preocupado com o cumprimento de normas e leis, Jesus mostrou a verdadeira imagem de Deus, já presente nessa mesma tradição, de um Deus misericordioso cuja principal alegria reside no retorno do perdido, do extraviado, do pecador arrependido. Jesus conta estas parábolas porque está sendo questionado em sua atitude frente aos pecadores: “Este homem acolhe pecadores e come com eles.” (v. 2) Para bem compreendermos essas parábolas é necessário partir desse enquadramento da cena e dos personagens presentes em primeiro plano: de um lado, “publicanos e pecadores” que se aproximam de Jesus; e do outro, os “fariseus e os escribas” que julgam e, de certo modo, condenam Jesus (vv. 1-2). As parábolas apresentam então, uma intenção polêmica em relação a estes últimos, mas a finalidade primeira é de mostrar a publicanos e pecadores a infinita misericórdia de Deus, a importância da conversão para a salvação, a alegria no Céu por um pecador que se arrepende. Os fariseus e escribas criticam Jesus porque ele sai da ordem estabelecida na sociedade judia da época, porque mantém relações de proximidade com cobradores de impostos, prostitutas, enfermos, que se acreditavam assim por causa do seu pecado, indignos e sem possibilidade de salvação divina. A todos, Jesus lhes faz saber que também são amados por Deus. Que a graça de Deus e o amor do Pai são tão grandes, e sua misericórdia tal, que não leva em conta quão imperfeitos ou importantes tenham sido nossos pecados aos olhos das pessoas, pois somos dignos de implorar seu perdão, ser humildes para reconhecer nossos erros e voltar à sua casa ao convívio com os irmãos. Os pecadores aproximavam-se de Jesus porque Ele lhes apresentava um Deus do qual não lhes falavam os escribas e doutores da lei. Desde as primeiras páginas da Sagrada Escritura se fala de um Deus que procura encurtar as distâncias e desce, ao jardim, à brisa da tarde, chamando o homem que havia pecado e se escondido, por medo e vergonha. “Adão, onde estás?” pergunta Aquele que criou o homem para que lhe seja interlocutor e habite em sua casa todos os dias da vida (Sl 27,4). O pecador se afasta de Deus, porque o pecado consiste exatamente em errar de direção, em caminhar no sentido contrário, de modo que a meta acaba ficando para trás. Os pecadores aproximam-se de Cristo, porque Ele se aproxima deles. Deus entrou no pecado dos pecadores para desfazer qualquer distância, para fazer reviver a proximidade idealizada na criação, entra bem aí onde a pessoa está convencida de que pode se esconder de Deus, vem e encurta essa distância, entregando-se, de modo que a pessoa o possa descobrir em Cristo, e possa se aproximar. A intenção de Lucas na chamada “Parábola do Filho Pródigo” é manifestar a ternura de um Pai que nos convida a voltar para casa. Habitar na casa do Pai é gozar da misericórdia e do carinho de Deus. O Filho mais novo representa o discípulo autossuficiente que se afastou do caminho. Longe da casa do pai não há vida verdadeira, somente fome, desgraça e morte. Mas o discípulo ao decidir voltar para casa verá que o Pai o acolherá de novo, sua acolhida terna e paternal devolverá àquele filho a certeza de sentir-se querido e o reabilitará como pessoa. O irmão mais velho é o paradigma do cristão que sempre se achou no caminho certo, mas lhe faltou o mais importante: a gratuidade do amor que supõe o encontro pessoal com Deus. Havia vivido na mesma casa do Pai, pertencido desde seu batismo à Igreja, talvez trabalhado duramente em defesa de sua fé, mas não experimentou a grande alegria do amor do Pai. Por isso põe dificuldades à misericórdia, não entende um Deus que perdoa sempre sem limites. Quando esse filho mais velho se fecha ao amor do Pai, o invade a rotina, o desespero e o desamor. Perguntemo-nos hoje: Por que não nos alegramos com o pecador arrependido? Por que não confiamos na cura através do perdão? Por que não aceitamos que Jesus tenha vindo salvar e conviver, preferencialmente com os pecadores e os descartados? E mais, por que será que não costuma ser frequente em nossos dias ver pelas ruas e praças bispos, sacerdotes, religiosos(as), notáveis pessoas religiosas, rodear-se de pecadores públicos ou de estigmatizados sociais? Por que motivo se levarmos em conta que Jesus o fazia com frequência. Desde o começo da relação de Deus com a humanidade, Ele se mostrou disposto a escutar, a proteger e a acompanhar as pessoas. Quase sempre foi a vontade de Deus, por puro amor por nós. Constantemente, Ele nos convence de seu amor e de sua confiança em nós. O Apóstolo Paulo, como tantos outros ao longo da história da salvação, o experimentou em sua vida e por isso se mostrou sempre agradecido: “Agradeço àquele que me deu força, Cristo Jesus, nosso Senhor, pela confiança que teve em mim ao designar-me para o seu serviço, a mim que antes blasfemava, perseguia e insultava. Mas encontrei misericórdia...” (cf. 1Tm 1,12-17). Deus quer manter uma relação estreita com cada um de nós e que participemos do banquete de seus dons; mas, nos quer livres e confiantes. Livres para amar como Ele e confiantes até a entrega generosa.

Pe. José Assis Pereira Soares

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