A festa haverá

Postado em 10/10/20 às 12:005 minutos de leitura946 views

Mateus volta neste Domingo a deleitar-nos com a parábola do grande banquete e do homem vestido indignamente para a festa. (cf. Mt 22,1-14) É uma das parábolas mais sofisticadas do Evangelho de São Mateus. O texto, por assim dizer, está dividido em duas partes. Na primeira cena um rei prepara a festa de casamento de seu filho e chama alguns convidados “vips”. A festa está preparada, mas os convidados se comportaram de modo indigno, recusando o convite do rei e sendo até descorteses com os empregados mensageiros. O rei então dirigiu o convite a todos os que os empregados encontrassem nas esquinas e ruas, de modo que a sala da festa se encheu. (vv.1-10)

A segunda parte da parábola fala sobre um “traje de festa”. (vv. 11-14) “Amigo, como entras-te aqui sem o traje de festa?” (v.12) O que nos choca, ao menos à primeira vista, nesta parábola é o convidado ser colocado para fora da festa por não estar vestido adequadamente. Ora, se o rei havia ordenado a seus empregados que a todos os que encontrassem pelo caminho, bons e maus os convidassem para a festa, por que agora se irrita tanto ao constatar que entre estes convidados há alguém mal vestido? Não parece lógico exigir que os convidados das esquinas e ruas estejam preparados para a festa.

Convite, festa de casamento, banquete... tudo está maravilhoso. Mas não se pode estar de qualquer maneira na festa; é preciso estar vestido festivamente, ou seja, estar vestido do amor, da alegria e da graça daquele que convidou. Não está com esse traje festivo portanto, reflete o cristão que não se reveste das mesmas atitudes e sentimentos de Cristo. A todos os convidados, aos primeiros e aos últimos, se exige para entrar na festa, no Reino dos Céus uma disposição interior e exterior adequadas, se nos exige, sobretudo, o amor e a fraternidade este o traje de festa.

A imagem de uma refeição ou um banquete está por trás dessa parábola. Dar uma festa, ou convidar os amigos a comer e beber na própria casa, sentar à mesa para uma refeição, no presente, anda perdendo seu sentido de comunhão e de partilha; a refeição ora é feita às pressas, ora acontece na frente da TV, cada um com seu prato servido, sem perceber o outro ao lado, sem gestos de partilha. Até as festas, com frequência ainda se realizam em torno da mesa, mas raras vezes, na mesa de casa, com pratos tradicionais, com base em receitas familiares. Hoje, vai-se a restaurantes, tudo afetivamente insípido e impessoal.

A festa, o banquete representa a comunhão de pessoas entre si, que compartilham não só alimentos, mas: alegria, acontecimentos felizes, amizade, intimidade. Na mesa, numa refeição parece que a vida se reconcilia: de dura e até hostil a vida se converte em alegre, e por isso se faz festa.

Jesus conhecia muito bem a vida dura e monótona dos pobres e trabalhadores. Sabia como esperavam a chegada do sábado para se libertarem do trabalho e descansar. Via-os participando com alegria das festas e casamentos. Que experiência poderia ser mais prazerosa para aquelas pessoas do que serem convidadas para uma festa e poderem sentar-se à mesa com os vizinhos e amigos e partilhar uma alegre refeição?

Para Jesus a vida não é apenas trabalho e preocupações, tristezas e dissabores. Deus está preparando uma festa final para todos seus filhos e filhas. A todos nos quer ver sentados junto a Ele, em torno da mesma mesa, desfrutando para sempre de uma vida plenamente feliz. Mas, Jesus não só falou do banquete do Reino, Ele mesmo convidou todos à sua mesa e comia inclusive com os pecadores. Ele queria ser para todos o grande convite de Deus para a festa final. Queria vê-los receber com alegria seu convite criando entre todos um clima mais fraterno que os prepararia adequadamente para a festa final.

Na parábola, quando os “vips”, os que têm terras e negócios rejeitam o convite, o rei diz aos seus empregados: “Ide até às encruzilhadas dos caminhos e convidai para a festa todos os que encontrardes”. (v. 9) A ordem é sem precedente, mas reflete o que sente Jesus. Apesar de tanta rejeição e desprezo, a festa haverá. Deus é festeiro, não mudou. Devemos continuar a convidar. Mas agora é melhor ir às “encruzilhadas dos caminhos”, por onde transitam tantas pessoas errantes, sem terras nem negócios, pessoas a quem ninguém nunca as convidou para uma festa. Elas podem entender melhor que ninguém o convite.

É curioso que os empregados foram enviados para convidar a todos: “maus e bons”. Também os maus são convidados à festa de Deus. Deus convida aqueles que ninguém os convida; Deus convida não aqueles preferenciais; agora os convidados não têm nome, são todos, são todos os nomes.

Há um banquete para todos; banquete da fraternidade, da vida partilhada, do mundo convertido em Reino. Mas infelizmente muitos querem sua própria refeição, seu lugar à parte, para não se misturar com os outros, para não se “contaminar”. Esta é uma parábola que desmascara nosso contexto atual, onde o mundo se divide em banquetes de alguns poucos e miséria e fome de muitos.

Jesus nos revela a imagem de um Deus festeiro, que organiza um surpreendente banquete. Aqui está o centro da mensagem do Evangelho de hoje, o Pai convida a todos; o banquete é o mesmo para todos. A resposta é o que marca a diferença entre uns e outros; quem prefere as suas “terras” ou os seus “negócios”, indica o que de verdade lhe interessa.

Deus convida sempre à festa, não é um convite a uma vida sem alegria; a uma vida amarga, a uma vida onde tudo está proibido. O Evangelho é o alegre convite à festa de Deus com a humanidade.

Em torno da mesa comum, reúnem-se as pessoas que, de algum modo, se sentem convidadas. Este convite compromete o convidado, porque ele aceita e, aceitando o convite, aceita participar, e, aceitando a participação, aceita tomar parte ativa na vida daqueles com quem vai assentar-se à mesa. Entra, assim, na comunidade.

Ao escrever essa parábola, Mateus certamente estava pensando em sua própria comunidade. Aqui temos uma reconstrução alegorizante da comunidade de Mateus, que viveu a realidade da destruição de Jerusalém no ano 70, quando o evangelho foi escrito, parecendo esta destruição como uma consequência da recusa ao convite do Senhor.

A comunidade cristã podia sentir-se agradecida porque Deus os havia convidado a eles, os de fora, os que não viviam segundo a lei, nem estavam na relação do povo de Deus a entrar em seu banquete, o seu Reino. Sim, tinham razão de sentirem-se agradecidos. Mas, não de sentirem-se superiores aos outros. Aqui reside o perigo para eles e para nós hoje: “Por que muitos são os chamados, e poucos são escolhidos”. (v.14)

Padre Assis Pereira Soares Pároco da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus.

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