Uma mulher maravilhosa

Atualizado em 25/06/19 às 10:225 minutos de leitura599 views
Conta uma antiga tradição judaica que, quando Jerusalém foi destruída pelos exércitos da Babilônia, o profeta Jeremias retirou a “arca” que guardava as tábuas da Lei e escondeu-a em algum lugar secreto. Desde então não se voltou a ter nenhuma notícia dela. O vidente do Apocalipse (cf. Ap 11, 19a.12,1-6a.10) conta-nos que a viu no céu: “Abriu-se o Templo de Deus que está no céu e apareceu no Templo a arca da Aliança.” (v.19) A liturgia hoje nos permite fazer esta experiência, contemplar Maria, vê-la no interior do espaço divino como a “arca” que contém Deus. É Maria a “Arca da nova Aliança”, a portadora de Cristo, em cujo seio o Filho de Deus, a Palavra de Deus se fez carne, habitou e que, com a sua assunção aos céus, encontrou a sua morada definitiva no seio da Santíssima Trindade. Na Ilha de Patmos João contempla visões grandiosas que transmite aos cristãos perseguidos pela crueldade do imperador romano: “Então apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas. Então apareceu outro sinal no céu: um grande Dragão...” (vv. 1-4) Como João, também os cristãos perseguidos necessitavam o consolo daquelas revelações que anunciavam esperança de um novo tempo, um novo céu e uma nova terra, a grandeza e o poder do Senhor. O céu se abre para mostrar “um grande sinal”, um desses numerosos “sinais” da linguagem do autor do IV Evangelho e do Apocalipse. É uma coisa curiosa que no IV Evangelho, no primeiro “sinal” que Jesus realiza em Caná (cf. Jo 2, 1-12) ou no último sinal, apareça a figura da “mulher”. Em Caná intercedendo pelos noivos e no Apocalipse enfrentando o dragão. Em ambos os sinais sua intervenção é providencial. O que hoje nos sugere a Igreja é que contemplemos a figura rutilante da mulher, enfrentando o dragão, certa de sua vitória. A Igreja sempre interpretou a imagem desta “mulher”, ora como Israel, ora como a Igreja ou também como Maria, a filha dessa Igreja libertada e salva. A “mulher” do Apocalipse reúne todas as esperanças da humanidade, toda nossa história de ilusões e desencantos, todo o caminho que a humanidade realizou desde o princípio com seus acertos e dificuldades. As mulheres de Israel sentiam-se honradas e estimadas pelos filhos que tinham. Este povo, orientado para o futuro pelas promessas que lhe haviam sido feitas, exultava nos descendentes e esperava tudo daquele que tinha que vir. Daí a felicidade e a glória de todas as mães de Israel e a profunda pena das mulheres estéreis que não podiam dar a luz. Se Maria é a que leva em suas entranhas o que tinha que vir, o Messias prometido, o Bendito, é por isso mesmo a mais bendita entre as mulheres. O Evangelho de São Lucas (cf. Lc 1, 39-56), mostra-nos Maria, grávida, em movimento: deixando a sua casa de Nazaré para ir à casa de Zacarias e Isabel que estavam à sua espera, mas Lucas orienta-nos a compreender que esta expectativa remete para outra realidade mais profunda. Zacarias, Isabel e o pequeno João Batista são, efetivamente, o símbolo de toda a esperança de Israel pela vinda do Messias Salvador. Maria carrega em seu ventre o Eterno desde sempre esperado. Mal ouvida a saudação de Maria, Isabel a recebe com um abraço, abraçam-se o Antigo e o Novo testamento, promessa e cumprimento, espera e realização tendo como trilha musical um canto exaltando a fé de Maria. E é o Espírito Santo que abre os seus olhos e a leva a reconhecer em Maria a verdadeira “Arca da Nova Aliança”: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre! Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar?”(vv. 42-43) E aí contemplamos o “Magnificat” (cf. Lc 1,46-55) o cântico-oração da Virgem Maria. Não há em toda a Escritura outra oração que ofereça uma tão grande transcendência profética. É um cântico de “mulher”, forte, penetrante, espiritual e teológico. É um canto a Deus, não se trata de uma oração egocêntrica de Maria. Lucas quis mostrar-nos com este canto uma jovem apaixonada de Deus, depois do que passou na Anunciação (cf. Lc 1,26-38). Ela entrega a Deus seu sonho, sua feminilidade e maternidade, seu amor, sua pessoa. Ela é plenamente entregue à causa de Deus. No seu cântico Maria devolve a Deus o louvor, o elogio que recebe de Israel. Deus é o que merece toda honra e toda glória, o poderoso que fez maravilhas em sua serva. Mas, esse deus não é um deus neutro e indiferente, mas sim, um Deus dos pobres. É um cântico, sobretudo de esperança nas maravilhas que realizou o Senhor em Maria, esta reconhece o estilo ou o modo de atuar do Senhor na história da salvação da humanidade. É a reação entusiasmada da pessoa que tem experimentado como Deus cumpre sua Palavra. A partir de sua experiência concreta, Maria descobre que o cumprimento da Palavra por parte de Deus está na base de existência mesma do povo. Maria irrompe em gritos entusiasmados de ação de graças Àquele que faz possível a maravilha de um mundo diferente. Confessa que Deus se contenta em subverter a ordem estabelecida pela injustiça dos ricos, dos orgulhosos, dos dominadores deste mundo, e que isto o faz enaltecendo aos mais humildes. O Senhor humilha, desbarata e despoja os senhores deste mundo e exalta, engrandece e enche de bens aos pequenos, aos famintos, aos pobres e explorados. O mistério da Assunção da Santíssima Virgem ao céu nos convida a fazer uma pausa na agitada vida que levamos para refletir sobre o sentido de nossa vida aqui na terra, sobre nosso fim último: a Ressurreição e a Vida Eterna. Saber que Maria foi ressuscitada por Deus e já está gloriosa no céu em corpo e alma, como se nos prometeu, nos renova a esperança em nossa futura imortalidade e felicidade perfeita para sempre. Nela já se realizou plenamente o que esperamos um dia viver também nós. Ao celebrarmos a glória de Maria, cremos que ela está junto de Jesus, glorificada por inteiro. Deus assumiu e transformou a sua história, suas ações e seu corpo. E como ela está na glória de Deus e dos santos, continua perto de nós, auxiliando-nos como mãe amorosa, irmã e companheira na fé; A Igreja agradece todas as manifestações do “gênio” feminino surgidas no curso da sua bimilenar história, agradece todos os carismas que o Espírito Santo concede às mulheres maravilhosas na história do Povo de Deus, todas as vitórias que deve à fé, à esperança e caridade das mesmas, agradece enfim, todos os frutos de santidade feminina. Nossa gratidão a todas as mulheres Igreja. Por Pe. José Assis Pereira Soares

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