Um Mistério de Amor

Atualizado em 26/06/19 às 12:015 minutos de leitura414 views
Ao longo do Tempo Pascal, recordamos com alegria a vitória de Jesus que, morrendo destruiu a morte. No Domingo passado, celebramos o Espírito Santo prometido e enviado sobre os Apóstolos. Hoje celebramos a festa da Santíssima Trindade, mistério central da fé e da vida cristã, fonte de todos os outros mistérios da nossa fé. Habitualmente iniciamos a Eucaristia com as palavras de São Paulo aos Coríntios: “A graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam convosco”. (2Cor 13,13) Com esta saudação professamos a fé no mistério da Santíssima Trindade. O Apóstolo São João foi uma testemunha ocular privilegiada do mistério do Amor divino da Cruz. Conviveu com Jesus, ouviu a voz do Pai no monte Tabor e quando lhe perguntaram: Diga-nos algo sobre Deus? Ele, respondeu: “Deus é Amor: aquele que permanece no amor permanece em Deus e Deus permanece nele!” (1Jo 4,16) O Discípulo amado viu, ouviu reclinado no peito de Jesus e escreveu sobre o Amor de Deus, que se manifestou em Cristo Jesus. O Evangelho que a Liturgia nos propõe para esta festa da Trindade (cf. Jo 16,12-15) é um pequeno trecho do chamado “discurso do adeus”. Jesus fala aos discípulos palavras de despedida, carregadas de ternura, quase “nostalgia” do Pai e do Espírito, desejando “voltar” e de algum modo desejando que os discípulos cheguem à verdade: “Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de compreendê-las agora.” (v. 12) Aqui encontramos uma das chaves mais significativas para entrar na compreensão do Mistério trinitário. Nesta perícope aparecem claramente as Três divinas Pessoas, mas com matizes diferentes sobre a missão de cada uma; é o dinamismo trinitário operante na alma de cada ser humano. Há um intercâmbio na comunicação “ad intra” entre as Divinas Pessoas: Jesus nos indica que “quando vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à plena verdade” (v. 13), à sintonia com Ele. As coisas, portanto, que ficam por dizer Jesus encarregará o Espírito Santo, que nesses segredos reveladores nos irá introduzindo na Verdade plena, quer dizer, a uma plenitude do conhecimento do que é realmente Deus. Daí podemos entender, que esse “agora” ao qual Jesus alude, que não podemos compreender todas as coisas, se está referindo, que para entender mais a fundo o Mistério de Deus fechado no Mistério trinitário, necessitamos a intervenção do Espírito Santo em nós. O texto termina assim: “Tudo que o Pai possui é meu. Por isso, disse que o que ele receberá e vos anunciará, é meu”. Ao dizer isso Jesus nos revela sua igualdade de natureza e dignidade com o Pai Criador do Universo e também anuncia o Espírito Santo, que também com Ele é um, igual a Ele. Estas palavras de Jesus sintonizam com outras que disse sobre a sua relação com o Pai: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30); “Se me conheceis, também conhecereis a meu Pai”; “Quem me viu, viu o Pai”; “Eu estou no Pai e o Pai está em mim” (Jo 14, 7.9.11) daí, que tudo o que o Pai tem seja também de Jesus, o Filho. E isto será o que o Espírito tomará para comunicar-nos a nós todos. Estamos assim nos umbrais da revelação do mistério da Santíssima Trindade, mistério insondável e incompreensível, diante do qual só cabe a humilde aceitação. Podemos ver que o Mistério trinitário transborda nossos limites conceituais. O dizia o teólogo dominicano E. Schillebeeckx  (1914-2009) numa convicção profunda: “A Trinidade, mais que um mistério de especulação, é um mistério de vivência”. Só na experiência vivencial se pode chegar a gostar e a compreender a partir da limitação humana, uma sombra, uma réstia do que é o Deus uno e trino. Nenhuma filosofia pode desvelar o mistério da vida trinitária, como tampouco nenhuma inteligência humana por mais perfeita que seja, pode chegar à compreensão deste Mistério. A Teologia como ciência de Deus, pode dar-nos chaves de compreensão para poder vislumbrar em parte este Mistério que nos ultrapassa apoiado na Revelação, o que podemos chamar conceitos de aproximação, já que Deus é um Mistério que excede todo entendimento humano. Por mais que nossa capacidade intelectiva nos permita conhecer sobre Deus, Ele sempre será o inexprimível, ao que se esgota nossa capacidade mental e ao que não podemos abarcar por ser limitada. A grandeza divina é tão imensa que a mais penetrante inteligência humana se sente embotada e lenta para compreender. A verdade plena do Mistério da Trindade está além de nossa capacidade humana de entender. Os mistérios não se podem entender, nem explicar racionalmente; os que temos fé nos extasiamos e adoramos, guiados pela fé e pelo amor ao Deus que nos revelou. A teologia nos descobre que tudo o que sabemos de Deus vem pela auto revelação que Deus faz de si mesmo em seu Filho Jesus Cristo. Deus se foi revelando não como uma “ideia” ou “conceito filosófico”. Mas, sim como um Deus-Amor que se dá até o fim da Encarnação do Verbo e o envio do Espírito Santo. O Deus de Jesus Cristo, nosso Deus, sempre é Amor. “Reconhecemos que Deus não é algo vago, o nosso Deus não é um Deus ‘spray’, é concreto, não é abstrato, mas tem um nome: ‘Deus é amor’. Não é um amor sentimental, emotivo, mas o amor do Pai que está na origem de qualquer vida, o amor do Filho que morre na cruz e ressuscita, o amor do Espírito que renova o homem e o mundo. Pensar que Deus é amor é muito positivo para nós, porque nos ensina a amar, a doar-nos ao próximo como Jesus se doou a nós, e caminha conosco.” (Papa Francisco) Mas, em um mundo como o nosso, tão dividido, desagregador, com rupturas interiores, com individualismos e diferenças tão marcantes. Prefere-se reger-se por outros deuses que se propagam como uma praga e nos cegam e confundem o amor em prazer, a unidade com a imposição de ideologias ou a caridade com gestos inconsistentes. Nosso Deus não é isolado, frio e distante. Primordialmente é comunhão, é ser relacional em suas três pessoas, na unidade e na diversidade. Sobre a Trindade, mais que as especulações, o que conta  é a fé no Mistério e a admiração pela grandiosidade do mesmo, um Mistério de amor onde se expressa a maneira de ser do mesmo Deus. Por isso aos teólogos não lhes basta só a concepção puramente especulativa no que se relaciona com o Mistério trinitário, mas experimentam a necessidade de recorrer aos “místicos” que se sentiam espaço interior habitado, ocupado pela graça da Trindade. Como Santa Catarina de Sena (1347-1380) que romperá por assim dizer em um grito de admiração: “Tu, Trindade eterna, és um mar profundo, donde quanto mais mergulho, mais encontro, e quanto mais encontro, mais te busco”. Pe. José Assis Pereira

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