Somos tantas Martas

Postado em 22/07/19 às 10:145 minutos de leitura399 views
O Evangelho de São Lucas (cf. Lc 10,38-42) nos apresenta neste Domingo Jesus em Betânia, na casa de Marta e Maria. “Betânia” significa em hebraico: “casa dos pobres”, casa de duas mulheres, duas irmãs que acolhem Jesus e isso não podia ser bem visto naquela sociedade. Mas, o evangelista Lucas é o evangelista da mulher, com esta cena quer ressaltar o sentido do discipulado cristão das mulheres no ambiente das comunidades primitivas. Sintamo-nos em Betânia, na casa de Marta e Maria, neste ambiente familiar. Tudo pode ter acontecido mais ou menos assim: Enquanto algumas pessoas conversam, outras preparam a comida. As duas coisas são importantes e necessárias, se completam, sobretudo quando se trata de acolher um hóspede tão querido. São João afirma que Jesus amava Marta, Maria e Lázaro (Jo 11,5). Marta, segundo o costume, desempenha o papel tradicional da mulher naquele tempo: a limpeza da casa, cozinhar, preparar a mesa... Maria, ao contrário, salta esse papel e se atreve a realizar não o serviço doméstico, mas o que correspondia aos homens: Maria se sente autêntica discípula de Jesus e se senta para escutá-lo. É obvio que Marta se chocou com aquela atitude “revolucionária” para uma mulher naquele tempo, e reprovou o fato de sua irmã querer ser discípula. Pede então a Jesus que intervenha: “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha, com todo o serviço? Manda que ela me venha ajudar!” (v. 40) Marta reclama porque se considera uma servidora e pensa que o seu serviço de acolher e servir à mesa é mais importante que o de sua irmã Maria que escuta e conversa com Jesus. Para Marta, o que faz Maria não é serviço. Mas, ela deve entender que não é a única servidora. Também Jesus assumiu o papel de “servo” e o profeta Isaías fala que o serviço principal do “servo” é o de estar diante de Deus à sua escuta, para poder descobrir uma palavra de conforto para aqueles que estão cansados. (cf. Is 50,4) Então, surge a pergunta: quem realiza melhor o papel de serva: Marta ou Maria? O comportamento de Maria está mais de acordo com o comportamento do “Servo de Deus”, porque, como ele, ela se encontra numa atitude de escuta diante de Jesus e não pode abandonar esta postura porque se o fizesse, não descobriria como acolher e demonstrar uma atitude fraterna, de modo que Ele, o peregrino e hóspede se sinta em família e não numa hospedaria qualquer. No seu afadigar-se e cansar-se, Marta corre o risco de esquecer, e é este o problema, o mais importante, ou seja, a presença de Jesus que antes de ser o Senhor e Mestre, é o hóspede. E o hóspede não deve ser simplesmente servido, alimentado, cuidado. É necessário, sobretudo que seja ouvido. Porque o hóspede deve ser acolhido como pessoa, com a sua história, com o seu coração rico de sentimentos e de pensamentos, de modo que se possa sentir em família. O hóspede deve ser ouvido. Mais do que abrir a porta de casa, a hospitalidade consiste em abrir as portas do coração, encontrar tempo e paciência para escutar, para aceitar a partilha de problemas, dores ou preocupações. Por vezes, é de falar que as pessoas mais precisam. Hoje muitas pessoas sentem-se tão sós, asfixiadas pela solidão e pelos problemas da vida e vão até ao desespero. Precisam de quem as ouça. Andamos tão atarefados e assim não temos tempo para ouvir e há tantas pessoas que têm necessidade de ser ouvidas: “Ouvir. Peço-vos que aprendais a ouvir e a dedicar tempo à escuta. Na capacidade da escuta está a raiz da paz.” (Papa Francisco) Disponibilizar-se para ouvir o outro, sobretudo os que sofrem e iluminar o seu sofrimento com a luz da fé. Acolher alguém que quer abrir o seu coração e receber uma palavra amiga que orienta a sua vida é hoje a virtude do acolhimento e da hospitalidade. Jesus acolhia as pessoas que vinham ao seu encontro com toda cordialidade. Se não fosse assim, as pessoas não o teriam procurado com tanta confiança, expondo-lhe sua vida, seus problemas e dificuldades. Quando Jesus se encontrava com alguém, aquela pessoa era para Ele como se fosse única no mundo. Atendia e ouvia atentamente o seu pedido. “Tu te preocupas e andas agitada, por muitas coisas. Porém, uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada”. (vv. 41-42) Essa resposta que Jesus dá a Marta, encontra seu significado pleno em referência à escuta da palavra do próprio Jesus, aquela palavra que ilumina e ampara tudo aquilo que somos e fazemos. Deixemos que Ele fale ao nosso coração. No contexto do evangelho de Lucas, estas palavras de Jesus tomam um significado simbólico profundo: Como Marta, também os discípulos e discípulas na missão se preocupavam com muita coisa, mas Jesus deixa claro que os muitos serviços devem ser realizados a partir deste único serviço verdadeiramente necessário que é a escuta de Deus e a atenção e escuta amorosa das pessoas. Esta é a melhor parte que Maria escolheu e que não lhe será tirada. “Tu te preocupas e andas agitada, por muitas coisas...” Como são verdadeiras estas palavras de Jesus! Ele tem razão: nossa vida é uma corrida desenfreada atrás de mil coisas: sonhos, projetos, negócios, ocupações; somos “Martas atarefadas” que pensam fazer as coisas mais importantes do mundo e ao invés perdemos tempo, fazemos coisas úteis, nos agitamos por coisas que são somente urgentes e não importantes. “Um só coisa é necessária”, Jesus nos convida a sair da dispersão e apresenta-nos o “único necessário”. Qual é esta coisa realmente importante, esta parte melhor que não será nunca tirada de quem a escolheu? O evangelho no-lo faz entender: aquela escolhida por Maria. Ela escolheu ouvir Jesus! Escolheu Jesus! Com Jesus escolheu tudo: seu Reino, sua vontade, escolheu o que fica para sempre... Deste episódio em Betânia aprendemos finalmente, que o melhor modo de ser Marta é ser Maria! A escuta atenta da Palavra de Deus, manter o olhar fixo em Jesus, nos impedirá de procurar a si mesmo e não darmos atenção e escutarmos ao outro; permitem perceber e respeitar as prioridades, executar tudo com calma, o que afinal, é o melhor jeito de servir, fazer bem as coisas e fazer mais. Pe. José Assis Pereira Soares

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