Campanha da Fraternidade e a Quaresma
Campanha da Fraternidade e a Quaresma
“Neste sentido, a opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com sua pobreza (2 Co 8.9)”
Discurso inaugural do Papa Bento XVI da V Conferência do Episcopado Latino-Americano em Aparecida
Dizei aos cativos: "saí!"
Aos que estão nas trevas: "vinde à luz!"
Caminhemos para as fontes,
É o senhor quem nos conduz!
Hinário da CNBB
Quaresma é um
tempo de conversão, revisão de vida, mudança; tempo de nos voltarmos para o
Senhor, de meditarmos a sua vida, paixão, morte e sua ressurreição e, nesta
meditação, nos abrirmos para uma vida de conversão, perdão, reconciliação e
seguimento da Boa Nova da Páscoa, que a tudo transforma e gera vida plena.
Na quaresma
recordamos com mais força a caminhada do Povo de Deus, a sua experiência de uma
vida de escravidão no Egito, o chamado de Moisés para libertar o Povo e guiá-lo
à Terra Prometida, uma experiência de libertação vivida sob e com Um Deus que
vê, que escuta, que sente o sofrimento do seu Povo e desce para socorrê-lo,
para caminhar junto. Da mesma maneira, lembramos os 40 dias em que Jesus passou
no deserto sob as tentações, a dor, a angústia, e também a certeza que Deus
estava ali o tempo todo.
A experiência
da libertação do Egito e da vitória de Jesus sobre as tentações, demonstra
claramente que este tempo de Quaresma é um tempo profundamente ligado a todas
as dimensões da vida humana. Portanto, tal prática espiritual só pode ser plena
se estiver ligada a vida como um todo, ou seja, se somos plenamente humanos,
somos plenamente espirituais.
A prática
quaresmal, como aponta o evangelho da quarta-feira de cinzas, é e deve ser uma
prática que não dissocia a dimensão espiritual da dimensão social; uma alimenta
a outra e, ambas nos ajudam a compreender a conversão como resposta pessoal e comunitária, que muda completamente a vida, consequentemente nos
fazendo sal e luz no mundo.
Que mundo é
este? Quais os seus problemas, como vivem os/as filhos/as de Deus neste mundo?
Como ser sal e luz neste mundo? Ser cristã/ão neste mundo é assumir o testemunho da radicalidade do amor de Deus;
de um Deus que se fez pobre, habitou entre nós, assumiu as nossas dores e pecados,
foi crucificado e morreu por nós, ressuscitando ao terceiro dia, mostrando de
maneira veemente que a vida vence todo tipo de morte e liberta de toda
escravidão.
A nossa Fé é
profundamente Pascal, e é por isso que o anúncio da boa nova transforma nossas
vidas e consequentemente deveria modificar as estruturas de nossa
sociedade, caminhando para uma sociedade mais humana, fraterna e justa, onde a
plenitude da vida seja garantida para todos e todas.
A conversão
tem consequências sociais sim! Se não tiver, não houve conversão, e a prática
quaresmal não foi vivida na sua plenitude.
A palavra de
Deus, o magistério da Igreja, o testemunho dos/as santos/as e mártires, colocam
claramente que essa dupla dimensão do encontro pessoal com Jesus Cristo pobre, crucificado e
ressuscitado, só se realiza plenamente no encontro com os irmãos/ãs.
A Campanha da
Fraternidade, a cada ano, nestes quase 60 anos de sua realização, coloca um
tema social, justamente para ajudar a vivência quaresmal na sua dimensão da
solidariedade, das consequências do nosso agir na sociedade.
A Campanha é uma oportunidade para compreendermos a dimensão social da evangelização. Assim diz o Papa Bento XVI na sua Encíclica “Deus Caritas Est” no seu número 20 “
no seio da comunidade dos crentes não deve haver uma forma de pobreza tal que sejam negados a alguém os bens necessários para uma vida condigna”.Já na Encíclica “Caritas in Veritate”, no seu número 7, seguindo o espírito da Gaudium et Spes do Concílio Vaticano II, o Papa Bento nos diz:
Depois, é preciso ter em grande consideração o bem comum. Amar alguém é querer o seu bem e trabalhar eficazmente pelo mesmo. Ao lado do bem individual, existe um bem ligado à vida social das pessoas: o bem comum. É daquele “nós todos”, formado por indivíduos, famílias e grupos intermediários que se unem em comunidade social.
A Campanha de 2021, se realiza em comunhão com outras Igrejas Cristãs, CNBB e Conselho Nacional de Igrejas Cristãs - CONIC, realizando a quinta edição da Campanha ecumênica. Gesto de unidade e de esforços para superarmos as barreiras da intolerância e do medo, ao mesmo tempo em que se renova o compromisso fortemente assumido pela renovação conciliar do Vaticano II com o ecumenismo que nos reconhece como irmãos/ãs na mesma Fé.
Sem abrir mão
da identidade de cada um, nos colocamos no mesmo caminho de seguidores e
seguidoras do Cristo Pobre, Crucificado e Ressuscitado. A campanha deste ano
coloca como tema central o diálogo, inspirada na citação do evangelho “Cristo
e? a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade”. (Ef 2,14a) e deseja
instar um processo de conversão que,
mais uma vez, reafirma a nossa vocação para a vivência fraterna, para a
vivência em comunidade, para a busca de uma sociedade em que não haja exclusão
social e nenhum tipo de discriminação. Por isso, o tema é nada menos que uma
provocação evangélica! É um convite
para a cultura do encontro e do diálogo, como o Papa Francisco, desde o começo
do seu ministério petrino, vem nos convidando a descobrir e redescobrir.
Todos os Papas
apoiaram e enviaram mensagens a cada edição da Campanha da Fraternidade.
Renovemos o nosso compromisso pastoral com a ela!
O diálogo nos
leva a reconhecer o outro, a escutá-lo, a caminharmos juntos/as, mesmo nas
nossas diferenças; nos leva ao testemunho do amor ao próximo.
Estamos numa
conjuntura de muitas crises, de muitos gritos e ódios e de pouco diálogo, o
medo de conviver com o diferente pode representar, muitas vezes, a falta de
solidez naquilo que se professa. Só quem não possui uma fé profunda pode ter
medo de se abrir ao outro e perder a sua identidade.
Numa sociedade
profundamente desigual e excludente, o diálogo se torna ainda mais fundamental
para encontrarmos os caminhos para a realização do bem comum, o ideal de
justiça que os profetas desde os tempos bíblicos anunciavam.
O gesto de
solidariedade expressado pela coleta do Domingo de Ramos, é nada menos que um
gesto de doação e apoio para as iniciativas que priorizem a redução da pobreza
e a possibilidade de contribuir nos processos de mudanças sociais que se
conectam com a realização da vida plena para todos e todas.
Negar tudo
isso, é negar a dimensão transformadora da nossa fé; é negar as consequências
do amor, de um verdadeiro encontro que tudo transforma; é negar as
consequências de uma verdadeira e plena conversão que é, e sempre será,
caminho, seguimento ao Cristo Pobre, Crucificado e Ressuscitado.
Por fim, a
Campanha da Fraternidade, e a sua versão ecumênica, nos chamam a radicalidade
do amor, fruto de um processo de conversão pessoal e comunitário ao mesmo
tempo. Por isso a Campanha não poderia se realizar em outro tempo, porque é
profundamente quaresmal, uma experiência que nos leva ao encontro do
outro.
Que a Campanha
da Fraternidade Ecumênica de 2021 nos ajude a renovar o compromisso com o
diálogo, com a renovação do Concílio Vaticano II e com o movimento ecumênico
para novas iniciativas de solidariedade e construção de uma sociedade com
justiça social e ambiental.
Caminhemos!
Roberto Jefferson Normando
Formação em Filosofia
Coordenador da Escola de Fé e Política Dom Manuel
Pereira
Coordenador Executivo do Observatório Social do
Nordeste
Membro do Encontro Economia de Francisco - ABEFC
Membro da Rede de Assessores/as do Centro Nacional de
Fé e Política Dom Helder Câmara - CEFEP/CNBB