Homilia: Missa dos Santos Óleos

Atualizado em 25/06/19 às 10:3710 minutos de leitura531 views
Por: Dom Dulcênio Fontes de Matos*correspondentes    Nesta manhã de quinta-feira da Semana Santa, a maior de todas as semanas das calendas litúrgicas da Igreja, reunimo-nos neste majestoso Templo Catedral para, prestes a iniciarmos o Sacro Tríduo Pascal, implorar a Deus a bênção para os óleos dos Catecúmenos e da Unção dos Enfermos, ao mesmo tempo em que invocaremos do Pai pelo Filho a força do Paráclito para a santificação do Óleo do Santo Crisma. Igualmente nesta celebração, anterior à bênção dos óleos e confecção e consagração do Crisma, o presbitério de Campina Grande, em torno ao seu Bispo, renovará as promessas sacerdotais, feitas uma vez por todas no dia da ordenação, ao tempo em que os fiéis leigos, portadores do sacerdócio régio do Senhor, implorará por eles, por minha fraqueza e por todos os componentes do rebanho inconsútil do Cristo. É com toda esta riqueza litúrgica que comemoramos a instituição do Sacramento da Ordem, operada pelo próprio Jesus na quinta-feira que antecedeu a Sua bendita Paixão e gloriosa Ressurreição como único elemento integrante de Sua Páscoa. Toda a Liturgia de hoje está voltada para a figura do Cristo, o Ungido do Senhor. Portanto, desde a Oração de Coleta vislumbramos este aspecto cristológico: o Filho unigênito do Pai que é ungido pelo Espírito Santo e, por conta desta unção, torna-se Cristo e Senhor, concomitante que, concedendo-nos a participação desta mesma unção, faz de nós testemunhas de Sua redenção, de Sua salvação para o mundo. Entendemos que no Cristo, o Ungido por excelência para a missão salvífica no mundo, somos ungidos e designados para, como cristãos, imitadores de Jesus, termos a missão de anunciar com palavras e com vida o mistério pascal do Senhor, a vida que Ele trouxe com a Sua vida morta e ressuscitada. O óleo, desde a antiguidade, tanto nas culturas pagãs quanto na judaica, possui um multíplice sentido simbólico, graças ao seu variado uso nas atividades humanas: é o óleo que alimenta o fogo que ilumina, sendo-lhe combustível; é o óleo o unguento para o restauro dos enfermos; é o óleo que unta o atleta para a luta, para a maratona, para o exercício corporal. São nestas realidades que habita aquilo que a unção sacramentalmente significa: iluminação da vida em Cristo para a ilustração do mundo; o lenitivo para as dores físicas e cura para as espirituais; o restabelecimento de forças para o combate contra o poder das trevas para que a Cruz redentora de Cristo reine sobre tudo e todos. Aqui está, meus caros irmãos e irmãs, a estrita função dos santos óleos; eles mesmos que acompanham alguns dos Sacramentos e Sacramentais de nossa Igreja, sinais eficazes do que denotam. Mas, por que somente eu posso presidir este rito de confecção e consagração do Santo Crisma, bem como de recepção da renovação das promessas sacerdotais dos nossos presbíteros aqui presentes? Porque, como Pontífice, Sucessor dos Apóstolos, não por méritos próprios, tenho a plenitude do Sacramento da Ordem Sacerdotal. É de minha fraqueza que são dispensados todos os Sacramentos e bênçãos, pois, como bem nos assegura o Concílio Vaticano II, mais precisamente na Constituição Dogmática sobre a Igreja, Lumen Gentium, número 21: “Na pessoa dos Bispos, assistidos pelos presbíteros, está presente no meio dos fiéis o Senhor Jesus Cristo, pontífice máximo. Sentado à direita de Deus Pai, não deixa de estar presente ao corpo dos seus pontífices, mas, antes de mais, por meio do seu exímio ministério, prega a todas as gentes a palavra de Deus, administra continuamente aos crentes os sacramentos da fé, incorpora por celeste regeneração e graças à sua ação paternal (cf. 1 Cor. 4,15) novos membros ao Seu corpo e, finalmente, com sabedoria e prudência, dirige e orienta o Povo do Novo Testamento na peregrinação para a eterna felicidade”. Então, o ministério de Cristo através da Sua Igreja possui como princípio de fontalidade o Bispo, e, como princípio de continuidade, os presbíteros para o bem dos fiéis que são o princípio de finalidade e, chegando a este último, somos agradáveis com a nossa vida e vocação ao próprio Deus que nos vocaciona, nos consagra e nos envia. Cristo é o Ungido do Pai. Ele tem por missão, como nos apresenta a Liturgia da Palavra, única e exclusivamente fazer a vontade do Pai: a salvação integral do homem. Uma vida de salvação que é iniciada pelo acolhimento generoso do Evangelho: “Enviou-me para dar a boa-nova aos humildes”. E é a partir do anúncio do Evangelho que levamos o povo ao caminho da cura, da redenção, da liberdade, da esperança de dias melhores e do consolo. É mediante a pregação do Evangelho, porque para isto fomos ungidos, consagrados, seja como leigos, graças à unção batismal e crismal, ou como ministros ordenados, graças à consagração sacerdotal adicionada ao nosso Batismo e Crisma, que concretizamos, valemos a nossa missão de cristãos, de testemunhas. A Segunda Leitura, do Apocalipse de São João, nos afirma: “A vós, graça e paz da parte de Jesus Cristo, a testemunha fiel, o primeiro a ressuscitar dentre os mortos, o soberano dos reis da terra. A Jesus, que nos ama, que fez de nós um reino de sacerdotes para seu Deus e Pai, a ele a glória e o poder, em eternidade. Amém”. Ora, o Senhor fez de nós um povo sacerdotal, como também nos denomina São Pedro em uma de suas cartas (cf. 1Pd 2,9). Ele – o Senhor – é a testemunha fiel, enquanto que nós somos testemunhas limitadas por nossos condicionamentos humanos, inclusive o pecado que tanto nos espezinha. Ele é a testemunha fiel, genuína, original, enquanto que nós somos testemunhas por causa Dele, por Ele. Ele é o primeiro ressurreto e nós ressuscitaremos Nele. Ele é o soberano dos reis da terra e nós reinaremos com Ele. Ele é o Verdadeiro e Único Sacerdote e o nosso sacerdócio está no Dele. Eis, irmãos e irmãs, as benesses consecutivas da nossa consagração: cum Christo, in Christo et per Christum. É aqui que obtemos o verdadeiro sentido da nossa existência e da nossa vocação cristã. Queridos Padres, agora me dirijo a vós com especial afeto, neste dia em que recordamos a instituição do sacerdócio por Aquele a quem devota e cotidianamente entregamos a nossa vida, os melhores anos de nossa juventude, Cristo Jesus. Daqui a poucos instantes, ireis renovar os vossos votos sacerdotais. Neste sentido, ireis, mais uma vez, como fizestes uma vez por todas, manifestar a renúncia que fazeis de vós mesmos e demonstrareis a opção pelos compromissos do sagrado ministério sacerdotal. Para isto, nos adverte Isaías, na Primeira Leitura: “Vós sois os sacerdotes do Senhor, chamados ministros de nosso Deus”. Se sois sacerdotes, deveis ter como uma constante que, em tudo, sois vigário de Cristo para o povo, principalmente dispensando-lhes a caridade de Cristo que deve urgir em nós. Não somos representantes de nós mesmos, bem sabemos, tampouco de nossos interesses subjetivos, e, portanto, mesquinhos. Por isso, meus queridos padres, mesmo porque, pelo ministério episcopal, sou vosso pai e pastor, saibamos viver com os mesmos sentimentos de Jesus no trato com o povo, baseados no respeito, na paciência, na acolhida e abertura às nossas ovelhas, toda esta gama de sentimentos que brota do peito de Jesus que muito ama a Sua Imaculada Esposa, de cujo esponsalício, sacramentalmente, tomamos parte, pois também é nossa Esposa. Daí, aconselho-vos, na caridade do Senhor, a vivência do zelo pelas almas, pela Igreja de Cristo, até o consumar-se de nossa existência. Recordo-me daquele episódio em que Jesus adormece na barca após longo trabalho de pregação e de cura (cf. Mt 8,24). Se o próprio Senhor dormia após árdua jornada é porque sentia em seu corpo o alquebrar do cansaço. Quantas vezes sentimos na fragilidade do nosso corpo o enorme peso do nosso sim e do nosso labor sacerdotal. Somos convidados a parar? Não, nunca! Estamos unidos à cruz de Jesus. Mesmo que dela não possamos mais descer, sempre estamos unidos a ela, de maneira diferente, mas sempre estamos atrelados ao peso da cruz do Senhor e à responsabilidade que dela emana. O zelo pela casa do Senhor deve nos devorar, imensamente, já que este mesmo ardor zeloso esteve sempre presente no coração de Jesus. “Se um padre vier a morrer em consequência dos trabalhos e sofrimentos suportados pela glória de Deus e a salvação das almas não seria nada mal”, bem frisou o Santo Patrono dos padres, São João Maria Vianney. São João Bosco, em uma de suas máximas, afirmava: “Dai-me almas e ficai com o resto”. Nosso trabalho infatigável pela salvação de pessoas já era previsto por Aquele que disse de Si mesmo: “Eu sou o Bom Pastor […] O bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas. O mercenário, porém, que não é pastor, a quem não pertencem as ovelhas, quando vê que o lobo vem vindo, abandona as ovelhas e foge; o lobo rouba e dispersa as ovelhas. O mercenário, porém, foge, porque é mercenário e não se importa com as ovelhas” (Jo 10,11-13); ou ainda, fazendo referência ao trabalho pastoral, figurando-o com o pastoril, diz: “Quem de vós que, tendo cem ovelhas e perdendo uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto e vai em busca da que se perdeu, até encontrá-la? E depois de encontrá-la, a põe nos ombros, cheio de júbilo” (Lc 15,4-5). Nosso povo anseia que sejamos homens do altar e do confessionário, do batistério e do consolo aos sofredores físicos e espirituais; o nosso povo anseia pelo homem da Liturgia das Horas; o nosso povo anseia por pastores segundo o coração de Deus (cf. Jr 3,15). E estais no caminho certo! Sacerdotes, posteriormente, ireis assentir a mais uma proposição: a de serem fiéis distribuidores dos mistérios de Deus. Pelo vosso múnus presbiteral que é partícipe do meu episcopal, sois obrigados ao ensino, ao governo e à santificação do Povo de Deus. Lembrai-vos dos compromissos que assumistes no dia da ordenação, de em tudo ser colaboradores de nossa ordem episcopal. Não quisestes uma teoria, mas compactuastes em colocar em prática o que a nossa solicitude pastoral exige. Recordando-vos do tríplice múnus, friso que o grave dever de ensinar não se dá somente em nossos púlpitos, em nossas homilias. Com isto, não pomos de escanteio a importância de uma pregação bem preparada e bem feita, transmitindo a fé e os ensinamentos da Igreja, jamais comunicando os nossos ‘achismos’ e ideologias pessoais, inclusive levantando bandeiras diversas que não e tão somente a de Cristo Jesus. Logo, se sobre-eleva a nossa responsabilidade e consciência no pregar o Evangelho de Cristo, do qual fomos constituídos mensageiros, principalmente em nossas Liturgias da Palavra, mas não se limitando aí. Lembrai-vos que sois os catequistas por excelência em vossas paróquias, os guardiães da fé para o povo que vos é confiado. Quanto ao governar, como sacerdotes, subentendemos que, se somos seguidores de Cristo, que amou a pobreza de maneira tal que se abaixou a nossa condição humana, juntamente com a castidade e a obediência, abraçamo-la por voto. Queridos Padres, e por falarmos em votos, primai pela pureza tão querida por Nosso Senhor, guardai a vossa continência da castidade por amor ao Reino dos céus. Pelo celibato não deixamos a nossa humanidade, mas tornamo-nos unicamente da Igreja, por amor a Cristo. Antevejamos e antegozemos o céu pelo nosso estado continente. Por fim, obedecei ao vosso Bispo, amai-o, venerai-o. Tudo o que dispensardes a ele não estareis fazendo à pessoa do Bispo propriamente, antes, como finalidade, estareis fazendo ao Cristo, Cabeça e Pastor, de quem, nesta Igreja particular, sou, enquanto Sucessor dos Apóstolos, mui indigno representante. Creiamos, pois, nos conselhos de São Pedro: “Eis a exortação que dirijo aos presbíteros que estão entre vós; porque sou presbítero como eles, fui testemunha dos sofrimentos de Cristo e serei participante com eles daquela glória que se há de manifestar. Velai sobre o rebanho de Deus, que vos é confiado. Tende cuidado dele, não constrangidos, mas espontaneamente; não por amor de interesse sórdido, mas com dedicação; não como dominadores absolutos sobre as comunidades que vos são confiadas, mas como modelos do vosso rebanho. E, quando aparecer o supremo Pastor, recebereis a coroa imperecível de glória” (1Pd 5,1-4). Exorto-vos também à vivência amigável, não diria somente amigável, mas fraternal entre o presbitério. Isto referente ao trato de estima, consideração e respeito com os colegas, inclusive comigo. Devemos ser irmãos – e irmãos próximos, manifestando o nosso cuidado e carinho uns para com os outros. Visitas, passeios, enfim, tudo que se diz respeito a um bom relacionamento entre os padres e estes com o Bispo, que é a cabeça deste Clero. Somente um padre entende outro. E saibam mais: o Bispo é o vosso pai e não o vosso padrasto ou um estranho capataz. Somos uma família em Cristo, vivamos a fraternidade sacerdotal! Por fim, meus queridos irmãos e irmãs, convido-vos a sempre rezar pelos padres. Como ainda nos lembra o Santo Cura d’Ars: “O Sacerdote é o amor do Coração de Jesus. Quando virdes o padre, pensai em Nosso Senhor Jesus Cristo”. São os heróis da fé que, no anonimato de suas vidas, velam pelo povo de Deus e se desgastam pelo Reino já presente na Igreja. Rezai para que sejam fiéis, fortificados em sua exímia, grandiosa missão de ser outros Cristo Sacerdote. E assim, juntos, rumamos à nossa consumação em Cristo Jesus, onde formaremos o que que já somos: único e inseparável Rebanho de Cristo Jesus, Bom Pastor, a quem sejam dadas honra e glória por todos os séculos eternos. Amém! *Bispo de Campina Grande, em 29 de março de 2018

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