Estar na montanha com Jesus

Atualizado em 25/06/19 às 09:285 minutos de leitura459 views
Provavelmente Jesus viveu e fez viver aos seus discípulos experiências profundas de encontro com Deus, a da “transfiguração” que Lucas descreve (cf. Lc 9, 28b-36) é uma delas: “Jesus levou consigo Pedro, João e Tiago, e subiu à montanha para rezar. Enquanto rezava, seu rosto mudou de aparência e sua roupa ficou muito branca e brilhante. Eis que dois homens estavam conversando com Jesus: eram Moisés e Elias.” (vv. 28b-30) Jesus chamou os seus discípulos para “estar com Ele” (Mc 3,15). Acompanham-no os mesmos apóstolos que estão com Ele também no momento da agonia no Getsemani. Pois bem, como se nos recordava a Quarta-feira de Cinzas, a prática da oração constitui sem duvida um caminho privilegiado de sintonia e encontro com Jesus para desfrutar de sua sincera e grata companhia. A transfiguração é uma passagem única nos evangelhos. Nunca Jesus aparece tão grandioso e magnífico como nesse momento. Uma réstia de sua imensa glória se transluz por uns momentos, ante os olhos atônitos dos discípulos preferidos. O rosto de Jesus adquire um aspecto novo  na oração, pois todo encontro com Deus deixa sinais visíveis nas pessoas. A seu lado outros dois grandes personagens do Antigo Testamento, cheios de glória, conversam com Jesus sobre o que vai se cumprir em Jerusalém: “É necessário que o Filho do Homem sofra muito, seja rejeitado pelos anciãos, sumos sacerdotes e escribas, morto e ressuscite ao terceiro dia.” (Lc 9,22) Apesar de que haviam passado só seis dias desde que Jesus lhes anunciara sua paixão e morte e houvesse repreendido precisamente a Pedro porque intentava mudar seu caminho, este segue sem entender nada. Pensa que chegou a hora de desfrutar o triunfo e que podem ser poupados do que vai acontecer. Pedro tem uma concepção da pessoa do Mestre que Jesus nem compartilha nem aceita. Ambos se movem em âmbitos distintos. Pedro se move nem mais nem menos na mesma linha em que se movia “o tentador” do Domingo passado (cf. Lc 4, 1-13). Pedro concebe Jesus em termos do onipotente que pode e deve se impor, ele quer um Jesus que ponha as coisas em seu lugar com autoridade e domínio. O domingo passado falava das tentações de Jesus. Hoje falamos das tentações de Pedro. Mas, não podia ser como Pedro queria que propõe ficar ali instalados: “É bom estarmos aqui. Vamos fazer três tendas uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias.” (v. 33) É óbvio que era bom acomodar-se, ficar ali, num momento místico de êxtase; fora da realidade, longe do dia-a-dia, das dúvidas e incertezas dessa caminhada até Jerusalém, que mata os Profetas. Mas, para Jesus, seria como abandonar seu caminho de profeta do Reino de Deus e o projeto do Pai. Só aceitando a humilhação da cruz se pode chegar à glorificação. Toda a história da Aliança iniciada no pacto de Deus com Abraão (cf. Gn 15,5-12.17-18) que confiou plenamente em Deus e Ele se mantém fiel culmina em Jesus Cristo, cujo momento ápice é a hora de sua exaltação na cruz. Assim o monte Tabor não se explica sem o Calvário. Jesus que viveu esta experiência mais intensamente que seus amigos, sem dúvida, sabe que deve descer do monte misterioso da Transfiguração para seguir seu caminho. Pedro não parece ter entendido nada. Propõe fazer “três tendas”. Põe Moisés, Elias e Jesus no mesmo plano, não captou a novidade de Jesus. A voz saída da nuvem vai aclarar as coisas: “Este é o meu Filho. O Escolhido. Escutai o que ele diz!” (v. 35) Não tem que escutar Moisés ou Elias, mas sim a Jesus, o “Filho, o Escolhido”. Só suas palavras e sua vida nos desvelam a verdade de Deus. Tem que descer à planície, ao plano, à vida diária, do contrário a experiência de Deus não é autêntica. Não podemos refugiar-nos em um mero espiritualismo que se aparta da vida concreta. Somos cidadãos do Céu, mas agora vivemos na terra e é aqui onde devemos demonstrar que Deus transforma nosso corpo humilde e nos faz viver como mulheres e homens novos e transformados. É aqui onde temos que construir o Reino de Deus. Viver escutando Jesus é uma experiência única. Estamos escutando a alguém que disse a verdade. Alguém que sabe por que e para que tem que viver. Alguém que oferece as chaves para construir um mundo mais justo e mais digno do ser humano. Cada dia podemos sentir seu chamado a olhar a vida com olhos diferentes e a vivê-la com mais sentido e responsabilidade, construindo um mundo mais humano e habitável. Os cristãos de hoje necessitamos urgentemente "interiorizar" nossa fé se queremos reavivá-la. Não basta ouvir o Evangelho de maneira distraída ou rotineira, sem desejo algum de escutar. Não basta tampouco uma escuta inteligente preocupada só em entender. Necessitamos escutar a Jesus, vivo no mais íntimo de nosso ser. Todos, sacerdotes e povo fiel, teólogos e leitores, necessitamos escutar sua Boa Noticia de Deus, não de fora, mas sim de dentro. Deixar que sua palavra desça de nossas cabeças até o coração. Nossa fé seria mais forte, mais alegre, mais contagiante. Assim como experimentamos em nossa espiritualidade momentos de “deserto”, também devemos experimentar momentos de “Tabor”, de estar na montanha com Jesus. Momentos de contemplação, de intimidade com Deus, de escuta da voz do Senhor, de meditação, de paz interior. Nosso Tabor é a oração porque nela está Cristo que ora em nós. A oração é essencial para a conversão, para a mudança de vida. Transfigura a nossa vida e transforma nossa conduta. Todos precisamos para termos forças de enfrentarmos nossas crises e carregarmos nossas cruzes, de intensos momentos de oração, de união especial com Deus. Para agradecermos, sermos capazes de como o salmista dizer: “Naquele dia em que gritei, vós me escutastes e aumentastes o vigor da minha alma.” (Sl 137, 3) A oração torna-se cada vez mais importante na agitação do mundo atual, de estresse e correria. Temos que descobrir como “subir a montanha”, criar espaços de tempo para sentirmo-nos mais profundamente na presença de Deus e para renovarmos as nossas forças. Quaresma é tempo privilegiado de oração, tempo para tomar consciência das situações problemáticas e dramáticas de nossa vida e para rezar por nós e pelos outros e juntamente com os outros.

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